Ouvindo falar de Motherland, a gente quase sente um arrepio na espinha só pela premissa, não é? Numa época em que discussões sobre família, individualidade e o papel do Estado na nossa vida parecem estar mais quentes do que nunca, um filme que ousa mergulhar de cabeça na ideia de uma sociedade onde os pais são “libertados” do fardo de criar seus filhos… bem, isso é um convite e tanto para uma reflexão profunda. E foi exatamente essa promessa de provocação, de um espelho distorcido da nossa própria realidade, que me puxou para dentro da sala escura. Eu, que já me perdi em tantas distopias literárias e cinematográficas, sempre busco aquela que não só nos mostra um futuro sombrio, mas que também nos faz questionar o presente. Motherland faz isso, e o faz com uma intensidade que poucas obras conseguem alcançar.
Dirigido com uma mão firme por Evan Matthews e com um roteiro que parece lapidado fio a fio por Nicole Swinford, Motherland nos transporta para um mundo onde a lógica da eficiência e do controle social atingiu seu ápice. Aqui, o Estado, a “Mãe Pátria” do título, não apenas provê, mas assume a totalidade da criação das crianças. A ideia é simples, cruelmente lógica: sem os laços complexos e muitas vezes caóticos da família tradicional, teríamos cidadãos mais uniformes, mais produtivos, livres das amarras emocionais que, supostamente, nos atrapalham. Os filhos são criados em centros estatais, onde cada necessidade é atendida, cada passo é monitorado, cada emoção… bem, essa parte é que complica, não é?
No coração pulsante desse universo gelado está Cora, interpretada com uma vulnerabilidade pungente por Miriam Silverman. Cora é uma agente das regras, uma engrenagem vital nesse sistema impecável, cuja vida se desenrola em uma rotina previsível e desprovida de grandes turbulências. Pelo menos é o que ela acha. Silverman constrói sua personagem não como uma autômata sem coração, mas como alguém que internalizou profundamente a retidão e a lógica do sistema. Seus olhos, a princípio, carregam a convicção de quem acredita fazer o certo. Mas é quando uma verdade chocante começa a se desvelar diante dela, como uma neblina se dissipando para revelar um abismo, que a performance de Silverman atinge seu ápice. Vemos a fratura em sua fachada, a confusão se instalando, o tremor sutil em suas mãos ao confrontar o que sempre tomou como garantido. Não é uma revolta súbita e explosiva, mas um despertar lento, doloroso, que nos prende à tela.
A complexidade dos relacionamentos nesse novo mundo é explorada com maestria. Zinnia, interpretada por Emily Arancio, talvez seja o catalisador silencioso, a personificação da pureza e do potencial perdido que Cora começa a ver. Arancio entrega uma performance delicada, que nos lembra o que significa a inocência e a busca por afeto genuímero num ambiente estéril. E se Cora é a nossa bússola moral, Holland Taylor, como Toni, é a bússola ideológica, talvez a arquiteta ou uma fervorosa defensora desse sistema. A serenidade e a autoridade que Taylor imprime em Toni são fascinantes; não é um vilão caricato, mas uma mulher que acredita na benevolência de seu controle, o que torna seus embates com Cora ainda mais carregados de tensão e significado. Nestor Carbonell, como Matteo, e Arica Himmel, como Willa, completam um elenco que se entrega de corpo e alma a esse drama, cada um adicionando camadas e texturas à tapeçaria narrativa.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Diretor | Evan Matthews |
| Roteirista | Nicole Swinford |
| Produtores | Tony Glazer, Summer Crockett Moore, Lana Link, Rob Pfaltzgraff |
| Elenco Principal | Miriam Silverman, Emily Arancio, Holland Taylor, Nestor Carbonell, Arica Himmel |
| Gênero | Drama, Ficção científica, Thriller |
| Ano de Lançamento | 2025 |
| Produtoras | Choice Films, MPI Original Films |
O que me cativa em Motherland não é apenas a narrativa, que por si só já é um thriller de ponta, mas a forma como Matthews e Swinford conseguem mostrar, sem contar, a desumanização gradual. Não há grandes discursos expositivos sobre o quão terrível é o sistema; em vez disso, vemos a ausência de carinho nos gestos, o vazio nos olhares, a forma como as relações são calculadas em vez de sentidas. A fotografia, fria e precisa, ressalta a arquitetura minimalista dos espaços, quase estéreis, que servem de berço para as novas gerações. E o ritmo… ah, o ritmo! Alterna entre a lentidão opressora da rotina e a aceleração frenética dos momentos de descoberta e perigo, mantendo o espectador à beira do assento, sentindo cada pulsação de Cora.
Motherland não é só mais uma distopia. É um drama humano, uma ficção científica que se aventura pelas entranhas da nossa própria humanidade. Ele nos questiona sobre o que realmente significa ser mãe, ser pai, ser filho. É sobre o peso da liberdade e o custo da segurança. Será que somos capazes de abrir mão dos nossos elos mais íntimos em nome de uma ordem maior, de uma paz fabricada? A rebelião de Cora não é apenas contra um sistema, mas contra a ideia de que o amor pode ser regulado, padronizado, extirpado. É uma ode à resiliência do espírito humano, que insiste em buscar conexão, calor e verdade, mesmo nas paisagens mais desoladoras.
Ao sair do cinema, eu não estava apenas pensando no enredo ou nas atuações – que são, por sinal, memoráveis. Eu estava pensando em nós, na nossa busca incessante por controle e na linha tênue entre proteção e aprisionamento. Motherland é um lembrete vívido de que a verdadeira riqueza da vida reside na sua imperfeição, na sua bagunça, na sua incontrolável e avassaladora capacidade de amar. E, convenhamos, num mundo que muitas vezes parece correr para simplificar e organizar tudo, um lembrete desses é mais do que bem-vindo; é essencial.




