Nomadland – Sobreviver na América

Por que a gente se sente compelido a escrever sobre certos filmes? Não é só pela excelência técnica, nem apenas pela história que contam. É algo mais profundo, sabe? É a forma como algumas obras nos tocam, nos obrigam a parar, a sentir, a questionar o nosso próprio lugar no mundo. E, para mim, “Nomadland – Sobreviver na América” é exatamente um desses filmes que permanecem, que ecoam muito depois de os créditos rolarem.

Eu me lembro da primeira vez que assisti, em abril de 2021, pouco depois de sua estreia no Brasil. As imagens do deserto americano, vasto e indiferente, misturadas à vulnerabilidade de Fern, me atingiram de um jeito que poucos dramas conseguem. Chloé Zhao, a roteirista e diretora, junto com a produtora e estrela Frances McDormand, criou não apenas um filme, mas uma janela para uma fatia da experiência humana que, para muitos, é invisível ou, pior, convenientemente ignorada.

A premissa é simples, mas esmagadora: Fern, uma mulher de 60 anos, vê sua vida desabar após o colapso econômico de Empire, Nevada, uma cidade literalmente apagada do mapa quando a fábrica de gesso fecha. Ela perde tudo. O marido, o lar, a identidade. Diante do abismo, Fern não desiste. Ela compra uma van, a equipa com o essencial e, com uma coragem silenciosa que a gente só encontra na adversidade, decide partir. Decide viver. Decide ser uma nômade moderna, uma “road warrior” dos nossos tempos.

O que Zhao e McDormand nos apresentam é muito mais do que a história de uma mulher. É um retrato comovente e profundamente humano de uma subcultura que floresce nas margens de um capitalismo tardio, onde a promessa de segurança e estabilidade se desfez para muitos. Fern não é apenas uma personagem; ela é um arquétipo de tantos que foram empurrados para a beira, forçados a redefinir “lar” e “família”. Ela se junta a outros nômades, em grande parte pessoas reais vivendo essa vida – como Linda May, Swankie e Gay DeForest, que interpretam versões de si mesmos na tela. Essa fusão de atores profissionais com não-profissionais é o que dá ao filme sua autenticidade visceral, uma textura que me faz pensar: como podemos estar tão distantes uns dos outros, vivendo realidades tão distintas, no mesmo país, no mesmo planeta?

Atributo Detalhe
Diretora Chloé Zhao
Roteirista Chloé Zhao
Produtores Chloé Zhao, Frances McDormand, Dan Janvey, Mollye Asher, Peter Spears
Elenco Principal Frances McDormand, David Strathairn, Linda May, Swankie, Gay DeForest
Gênero Drama
Ano de Lançamento 2021
Produtoras Cor Cordium Productions, Hear/Say Productions, Highwayman Films

Frances McDormand, como Fern, é uma força da natureza controlada. É uma daquelas atuações que não pedem aplausos, mas os exigem pela sua honestidade brutal. Não há afetação, não há melodrama barato. Ela é a personificação da resiliência, do luto contido, da busca por significado. Seus olhos, muitas vezes fixos na estrada ou no horizonte, contam histórias de perdas, mas também de uma liberdade recém-descoberta, mesmo que ditada pela necessidade. E quando David Strathairn, como Dave, surge em sua jornada, oferecendo um vislumbre de conexão e talvez um caminho de volta à “sociedade convencional”, a ambiguidade dessa escolha de vida se torna palpável. O que é mais valioso? A segurança ou a autonomia, a comunidade ou a solidão buscada?

A beleza de “Nomadland” reside exatamente nessa nuance, na sua recusa em oferecer respostas fáceis. A vida nômade não é romantizada, nem demonizada. Ela é mostrada em sua plenitude: a liberdade de acordar em um lugar diferente a cada dia, a camaradagem entre aqueles que compartilham a estrada, a engenhosidade para sobreviver com tão pouco. Mas também os perigos, a solidão esmagadora, a precariedade de uma vida sem endereço fixo. Zhao, que também adaptou o roteiro do livro de Jessica Bruder, capta isso com uma sensibilidade rara, usando a paisagem árida do oeste americano não apenas como cenário, mas como um personagem por si só, espelhando a alma de Fern: vasta, desolada, mas incrivelmente resistente.

É um filme que te convida a um ritmo diferente, a uma observação mais atenta. Não é um desses que te pega pelo colarinho com reviravoltas frenéticas. É um “slow burner”, como alguns disseram, que te envolve gradualmente, camada por camada, até que você se veja imerso na poeira, no frio, no calor, na solidão e na surpreendente beleza da vida na estrada. É uma reflexão sobre a morte do “sonho americano” para alguns, mas também sobre o nascimento de novas formas de sobrevivência e, mais importante, de dignidade.

Ao final, “Nomadland” não me deixou com uma sensação de desespero, apesar da gravidade de seus temas – desemprego, crise econômica, luto, falta de moradia. Pelo contrário, me deixou com um respeito profundo pela capacidade humana de se adaptar, de encontrar luz nas frestas mais estreitas, de forjar uma comunidade onde antes só havia isolamento. É um lembrete pungente de que, mesmo quando tudo parece perdido, a estrada ainda se abre à nossa frente, convidando-nos a continuar, a sobreviver, e talvez, até mesmo a encontrar uma nova versão de nós mesmos, mais forte e mais livre. E isso, para mim, é a essência do que o cinema, em seu melhor, pode oferecer: uma experiência que nos transforma.

Trailer

Ofertas Imperdíveis na Shopee

Que tal uma pausa? Confira as melhores ofertas do dia na Shopee!

Aproveite cupons de desconto e frete grátis* em milhares de produtos. (*Consulte as condições no site).

Ver Ofertas na Shopee