Andrei Tarkovsky: Um espelho para a alma – e para a minha própria
Confesso, cheguei a O Espelho (1975) com receio. A fama de experimental, de difícil, de… enfim, de Tarkovskiano, me precedia. Mas a verdade, amigos cinéfilos, é que a experiência de assistir a esse longa-metragem em 2025, quase cinquenta anos após sua estreia original (no Brasil, em 7 de março de 2005, diga-se de passagem), foi nada menos que transformadora. Não foi uma simples sessão de cinema, foi uma jornada.
O filme, resumidamente, acompanha um homem que mergulha em sua memória, em um fluxo de consciência que mistura realidade, lembranças, sonhos e alucinações. A narrativa não é linear, é poética, fragmentada, um caleidoscópio de imagens e sensações que se conectam através de associações e evocações quase oníricas. É um retrato íntimo, um espelho não apenas para a história de um homem, mas também para a história de uma nação, a Rússia, atravessada pelas guerras e pela transformação social do século XX.
A direção de Tarkovsky é, como se espera, magistral. A fotografia, carregada de tons sépia e uma atmosfera onírica quase palpável, me cativou profundamente. Cada plano é meticulosamente composto, carregado de simbolismo, convidando o espectador a se perder e a se encontrar ao mesmo tempo em meio à beleza melancólica da floresta, aos campos de trigo balançando ao vento, às imagens de arquivo que nos confrontam com a brutalidade da guerra. A utilização de trechos de notícias e poemas recitados, somados a uma narrativa de fluxo de consciência, criam uma experiência sensorial única e profundamente impactante.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Andrei Tarkovsky |
Roteiristas | Александр Мишарин, Andrei Tarkovsky |
Produtor | Erik Waisberg |
Elenco Principal | Маргарита Терехова, Игнат Данильцев, Лариса Тарковская, Алла Демидова, Анатолий Солоницын |
Gênero | Drama, História |
Ano de Lançamento | 1975 |
Produtora | Mosfilm |
As atuações são excelentes, principalmente as de Margarita Terekhova e Ignat Daniltsev, que encarnam com maestria a complexidade das relações materno-filiais em meio ao caos da história. A equipe, capitaneada por Erik Waisberg (produtor), não se intimidou diante do desafio técnico da obra, resultando numa qualidade impecável, que resiste à passagem do tempo e se mantém impactante nas plataformas de streaming atuais.
Mas O Espelho não é um filme fácil. Ele exige paciência, entrega e uma certa disposição para se deixar levar pela correnteza da narrativa. Para alguns, sua falta de estrutura tradicional pode ser um ponto fraco, a ausência de uma narrativa linear pode gerar desinteresse. A lentidão deliberada, a ausência de uma resposta imediata, pode ser um obstáculo para quem busca uma trama palatável e com desenvolvimento de personagem tradicional. Mas, para mim, essa falta de linearidade é uma de suas maiores virtudes. É o que o torna tão profundamente pessoal e universal ao mesmo tempo.
A potência do filme reside exatamente nessa mistura de elementos aparentemente desconexos: a guerra, o passado, a infância, a doença, a memória, a morte. Tarkovsky não busca responder perguntas, mas sim lançar perguntas cruciais sobre a natureza da memória, a construção da identidade, o peso do passado no presente, a efemeridade da vida. A experiência de assistir ao filme me fez pensar no fluxo constante da vida, nas nossas próprias lembranças fragmentadas e na busca incessante por significado em um mundo frequentemente caótico. Ele é um filme profundamente reflexivo, existencialista, e, sim, como alguém comentou que leu em uma resenha, me fez sentir como se tivesse “literalmente renascido”. Talvez seja exagero, mas a força e o impacto do filme são inegáveis.
Em 2025, O Espelho continua sendo uma obra-prima do cinema, um filme que transcende o tempo e os lugares, um espelho que reflete não apenas a história de um homem, mas a nossa própria história, com toda sua complexidade, beleza e fragilidade. Recomendo fortemente sua experiência, mas aviso: esteja preparado para uma jornada interior intensa, talvez até incômoda, que certamente irá deixar marcas profundas em sua alma. Prepare-se para ser tocado – e talvez até mesmo um pouco perdido – na mais bela das confusões.