O Rei do Pedaço

Sabe, há séries que a gente assiste e, mesmo que passem anos, elas continuam por ali, um canto quentinho na memória, como uma poltrona gasta que a gente simplesmente não consegue jogar fora. E para mim, O Rei do Pedaço é exatamente essa poltrona. Estamos em 2025, e a animação que estreou lá em 1997, parece que nunca envelhece de verdade, apenas amadurece como um bom vinho, ou melhor, como um bom corte de carne na grelha do Hank Hill.

Quando eu penso no “porquê” de me debruçar sobre essa série hoje, é porque ela é um lembrete constante de que a grandeza pode residir na simplicidade do dia a dia. Esqueça explosões intergalácticas ou dramas existenciais de tirar o fôlego. Aqui, a vida acontece no quintal, na vizinhança, entre a porta do mercado de propano e o churrasco de domingo.

Mike Judge e Greg Daniels, os arquitetos desse universo, conseguiram algo raro: criaram um épico do mundano. Hank Hill, o protagonista dublado com uma inflexão impecável pelo próprio Judge, é o coração batendo desse pedaço do Texas. Ele é um vendedor de propano com uma devoção quase religiosa ao seu produto – para ele, propano não é só combustível, é uma forma de vida, uma filosofia. E essa é a sua “ideia impressionante sobre Deus”, se me permitem a analogia. Hank é despretensioso, um sujeito de princípios firmes, que vê o mundo através de um filtro de senso comum e uma boa dose de ceticismo. Não espere dele grandes elucubrações, mas observe como ele lida com o mundo, e você encontrará uma sabedoria prática que muitas vezes nos falta.

Arlen, a cidade fictícia onde a família Hill reside, não é apenas um pano de fundo; é quase um personagem em si. Um daqueles lugares onde todo mundo se conhece, onde os dramas são pequenos, mas as emoções são gigantes. É onde a grama do vizinho é sempre um tópico de debate, e a cerca de madeira que separa os quintais é mais que uma barreira física; é uma linha divisória entre mundos que, de alguma forma, sempre se encontram.

AtributoDetalhe
CriadoresGreg Daniels, Mike Judge
Elenco PrincipalMike Judge, Kathy Najimy, Pamela Adlon, Stephen Root, Toby Huss
GêneroAnimação, Comédia, Família
Ano de Lançamento1997
Produtoras20th Century Fox Television, Deedle-Dee Productions, Judgemental Films, 3 Arts Entertainment, Bandera Entertainment, 20th Television Animation

E a família Hill? Ah, a família Hill. Kathy Najimy empresta sua voz inconfundível a Peggy, a esposa de Hank. Peggy é uma figura complexa: uma mulher com uma autoconfiança estratosférica, uma professora substituta que se orgulha de suas habilidades (mesmo que nem sempre correspondam à realidade), e uma mãe dedicada, à sua própria maneira. Seu otimismo inabalável, por vezes beirando a delírio, é um contraponto perfeito à sobriedade de Hank. Depois, temos Bobby, o filho. Dublado pela brilhante Pamela Adlon, Bobby é a antítese do pai em quase tudo. Ele não liga para esportes, não entende de motores e prefere humor a tarefas domésticas. A dinâmica entre pai e filho, essa busca constante de Hank para moldar Bobby à sua imagem, e a persistência de Bobby em ser ele mesmo, é uma das fontes mais ricas de comédia e, surpreendentemente, de emoção genuína da série. E não podemos esquecer Luanne, a sobrinha que começa como uma “caloteira” morando na casa dos tios e, ao longo das temporadas, embarca numa jornada de autodescoberta e amadurecimento, muitas vezes tropeçando, mas sempre com um coração bom.

Mas seria impossível falar de Arlen sem mencionar os vizinhos do beco. Stephen Root dá voz a Bill Dauterive, o amigo melancólico, divorciado e frequentemente patético de Hank. Bill é um lembrete agridoce das fragilidades humanas, da solidão, mas também da lealdade inabalável. Há também Dale Gribble, o teórico da conspiração por excelência, cujo mundo é um emaranhado de paranoias governamentais e ideias mirabolantes, também dublado pelo versátil Toby Huss, que ainda empresta a voz ao irascível Cotton Hill e ao vizino arrogante Kahn Souphanousinphone. Toby Huss é um camaleão vocal, dando vida a personalidades tão distintas que é fácil esquecer que é a mesma pessoa por trás de todas elas. E, claro, o enigmático Boomhauer, cuja fala rápida e sussurrante, cortesia de Mike Judge, é um mistério fonético que se tornou um charme à parte. Essa gangue de amigos, cada um com suas esquisitices bem definidas, é o que realmente tece a “tapeçaria” (e me perdoem o clichê, mas às vezes ele se encaixa) da comunidade de Arlen. Suas interações, seus churrascos, seus conselhos desastrosos, tudo isso forma a espinha dorsal de um humor que é ao mesmo tempo inteligente e terrivelmente reconhecível.

O que me pega de verdade em O Rei do Pedaço é a sua habilidade em extrair o riso e a reflexão da rotina mais banal. Em vez de nos bombardear com piadas rápidas ou reviravoltas chocantes, a série se permite explorar as nuances da vida. Um episódio pode ser sobre a grama do quintal, outro sobre a primeira namorada de Bobby, ou sobre a obsessão de Hank em consertar algo que não está quebrado. Essas são as histórias que, quando contadas com a inteligência e a sensibilidade dos criadores e do elenco, se tornam universais. Elas nos fazem pensar sobre nossas próprias famílias, nossos vizinhos, nossas pequenas idiossincrasias.

Os criadores Greg Daniels e Mike Judge não apenas trouxeram à vida personagens memoráveis, mas estabeleceram um padrão de humor inteligente e observacional que foge do fácil e do óbvio. Sua colaboração resultou em uma série que é tão sobre os valores da classe média americana quanto sobre a comédia em si. E o elenco de dubladores, cada um dando voz e alma a esses personagens, é fundamental. Não são apenas vozes; são interpretações que definem quem esses personagens são, desde o resmungo de Hank até a risada estridente de Peggy.

Lançada em 1997, O Rei do Pedaço atravessou quase três décadas e, em 2025, sua relevância se mantém intacta. Ela nos lembra que, por trás da aparente mediocridade do cotidiano, há um universo de histórias, de lutas e de amores. Que o simples ato de manter o jardim aparado, ou de vender propano com orgulho, pode ter mais significado do que imaginamos. É uma série que não grita por atenção, mas que, quando você a encontra, oferece uma companhia calorosa e perspicaz, provando que, sim, o rei do pedaço pode ser aquele que vive a vida com a maior integridade, mesmo que seu reino seja apenas um quintal no Texas. E isso, para mim, é algo que sempre valerá a pena revisitar.

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