Ah, O Senhor das Sombras… Um título que, para muitos, talvez evoque um eco distante de videolocadoras empoeiradas ou noites de insônia canalizando canais a cabo de madrugada nos idos de 90. Mas para mim, ele representa um daqueles mergulhos nostálgicos que a gente faz de vez em quando, meio por curiosidade, meio por um carinho esquisito por filmes que desafiam a memória. A gente se pergunta, “será que era tão bom quanto eu lembrava?”, ou, na maioria das vezes, “será que era tão peculiar quanto eu achava?”. E foi essa pulguinha atrás da orelha que me trouxe de volta a esta peculiar obra de 1998, dirigida por Jamie Dixon e roteirizada por Michael Stokes.
Sabe, eu tenho uma teoria sobre o horror dos anos 90. Houve uma safra de filmes que, embora não se tornassem clássicos instantâneos, carregavam uma identidade própria, uma ousadia que beirava o absurdo, mas que era, no fundo, o coração da sua proposta. E O Senhor das Sombras se encaixa perfeitamente nesse molde. A premissa é daquelas que você lê e pensa: “Isso ou vai ser brilhante, ou vai ser um desastre espetacular”. Um demônio, um tal de Shadowbuilder, é enviado do inferno com uma missão clara e cataclísmica: coletar a alma de um garoto, Chris Hatcher (interpretado por Kevin Zegers), que tem o potencial divino de se tornar um santo. Se o demônio conseguir, bam! Portal para o inferno, destruição global. É um plano de domínio mundial que começa com uma criança, um gambito cósmico que me faz rir de apreensão.
E aqui é onde a coisa fica interessante, onde a humanidade do projeto começa a dar as caras, mesmo com um roteiro que flerta com o inverossímil. Michael Rooker, um ator que dispensa apresentações e que tem uma presença de tela que rasga o celuloide, surge como Father Vassey. Pense em um padre que viu coisa demais, um homem de fé com as mangas arregaçadas e os olhos cansados de quem já duelou com sombras literais e metafóricas. Rooker não apenas interpreta um padre; ele é um padre quebrado, mas determinado, uma âncora de seriedade em meio ao caos. Suas mãos, que poderiam tremer de medo, cerram-se em punhos de convicção. Você sente o peso da sua jornada, a crença inabalável em algo maior que se contrapõe à ameaça impalpável que se aproxima. Ele não diz muito, mas cada olhar, cada linha de diálogo proferida com aquela voz rouca, carrega o peso de uma batalha espiritual milenar. Ele é o contraponto perfeito para a ameaça etérea.
E a ameaça, o Shadowbuilder? Andrew Jackson o encarna com uma maleabilidade física e uma voz que parece sussurrar diretamente do abismo. Não é um monstro de CGI grandioso, mas algo mais sutil, mais insidioso. Ele é a própria sombra que ganha forma, que se arrasta pelas paredes e rouba a luz do mundo. É o tipo de vilão que se esconde à vista de todos, se fundindo ao cenário noturno, e isso, convenhamos, dá um calafrio diferente. Não é o susto do jump scare, mas o desconforto de saber que o mal pode estar logo ali, onde a luz não alcança. A maneira como ele se move, como ele se manifesta através das sombras, é a cereja do bolo de um design de criaturas que, mesmo com os limites orçamentários da época, conseguiu ser bastante eficaz em seu horror gótico.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Jamie Dixon |
Roteirista | Michael Stokes |
Produtor | Andy Emilio |
Elenco Principal | Michael Rooker, Leslie Hope, Shawn Thompson, Andrew Jackson, Kevin Zegers |
Gênero | Terror |
Ano de Lançamento | 1998 |
Produtoras | Apple Creek Productions, Imperial Entertainment |
Leslie Hope, como Jenny Hatcher, a mãe de Chris, nos oferece o lado humano da vulnerabilidade. Seus olhos, a princípio, veem apenas os medos cotidianos, a preocupação com o filho. Mas à medida que a loucura demoníaca se instala, vemos sua incredulidade se esfacelar, dando lugar a um desespero palpável e, finalmente, a uma coragem feroz. Não é apenas gritar e correr; é a força silenciosa de uma mãe protegendo sua cria contra o que ela não pode compreender. É um arco de personagem que, embora não seja revolucionário, é fundamental para nos conectar emocionalmente à trama. E Shawn Thompson, como o Xerife Sam Logan, representa a sanidade cética que é lentamente corroída pela evidência do sobrenatural, um personagem clichê, sim, mas que ainda tem sua função narrativa.
O roteiro de Michael Stokes, sob a batuta de Jamie Dixon, navega por águas turvas. Há momentos de diálogos que soam um tanto quanto simplórios, e a narrativa, em alguns pontos, parece tropeçar em sua própria ambição. Mas há também uma tentativa genuína de criar uma mitologia própria, de dar um toque de grandeza a um filme de terror de baixo orçamento. A ideia de um demônio enviado para impedir a ascensão de um santo é, em si, uma inversão interessante das narrativas clássicas do bem contra o mal. Não é a alma de um pecador que está em jogo, mas a de uma criança pura, com potencial de se tornar uma luz tão forte que o inferno precisa agir preventivamente. Isso é brilhante em sua concepção, mesmo que a execução nem sempre atinja as alturas que a premissa sugere.
O Senhor das Sombras não é um filme perfeito. Longe disso. Ele tem seus momentos de ingenuidade, seu ritmo pode ser um pouco irregular, e os efeitos visuais, bem, são de 1998, com tudo o que isso implica. Mas há uma paixão subjacente, um querer fazer o melhor com o que se tinha. Há uma atmosfera, uma tentativa de construir um terror mais atmosférico e menos dependente de sustos baratos. E é aí que ele me ganha. Não é um blockbuster, nem um clássico cult que todos precisam ver. É um filme que existe, que tentou ser algo, e que, em partes, conseguiu.
Então, sim, para mim, revisitar O Senhor das Sombras em 2025 não é apenas um exercício de arqueologia cinematográfica. É um lembrete de que o cinema de horror, especialmente o dos anos 90, era um campo fértil para ideias malucas, para performances que elevavam o material, e para a coragem de contar histórias que, embora pudessem beirar o absurdo, tinham um coração pulsante. E essa, meu amigo, é a magia que às vezes encontramos nos cantos esquecidos da nossa memória cinematográfica. Ele pode não ter destruído o mundo, mas certamente abriu um portal para uma conversa interessante.