É engraçado como certas histórias nos agarram, não pela espetacularidade, mas pela crua e inegável humanidade que as permeia. Para mim, O Sequestro de Daniel Rye é exatamente isso: um soco no estômago disfarçado de abraço apertado, um filme que te puxa para a realidade mais árdua, aquela que a gente, por conveniência, prefere manter a distância. E é por isso que senti a necessidade visceral de escrever sobre ele, para tentar traduzir o turbilhão de emoções que essa obra de Niels Arden Oplev e Anders Thomas Jensen evoca.
Lançado em 2019 e chegando ao Brasil em 2021, este drama dinamarquês, baseado na história real do fotógrafo Daniel Rye, não é apenas mais um filme sobre reféns. Ele é um mergulho profundo no abismo do desespero humano e na surpreendente capacidade de resistência. Você sabe, aquelas histórias que te fazem pensar: “E se fosse eu? E se fosse alguém que eu amo?”. Daniel, interpretado com uma vulnerabilidade pungente por Esben Smed, é um jovem que, em 2013, viaja para a Síria com a intenção nobre e, talvez, um tanto ingênua, de documentar a crise dos refugiados. O que ele encontra, porém, é a sombra mais densa da guerra: o cativeiro nas mãos do Estado Islâmico.
O que me fisga imediatamente não é o ato do sequestro em si, mas a maneira como o filme destrincha as suas consequências, tanto para Daniel quanto para sua família. Dentro daquele cárcere improvisado e imundo, a câmera de Oplev nos força a presenciar a deterioração física e mental de Daniel. Esben Smed é um espelho para a dor; ele não apenas atua, ele se torna Daniel Rye. Vemos a tensão em seus ombros encurvados, o brilho de terror e depois a resignação nos olhos, a forma como ele alterna entre a agressão e o desespero silencioso para sobreviver. Há momentos em que o silêncio de Daniel, o simples ato de respirar, carregam o peso de um grito. É uma performance que te deixa ansioso, com o nó na garganta, sentindo a mesma baffled perplexidade dele diante da callous crueldade de seus captores.
Paralelamente, somos levados para a Dinamarca, para a sala de estar da família de Daniel. E é aqui que a complexidade da situação de hostage-taking realmente se instala. Sara Hjort Ditlevsen, como Signe, a irmã de Daniel, nos mostra a face da desesperação familiar. Não há glamour nas negociações, apenas uma luta audaciosa e exaustiva contra o tempo e contra um inimigo impessoal e autoritário. Vemos a affectation da compostura em meio à dor, a tentativa de manter a esperança quando tudo parece perdido. O filme nos apresenta o dilema universal: ceder às exigências dos terroristas ou manter-se firme, sabendo que cada decisão pode ser a diferença entre a vida e a morte. Não há respostas fáceis, apenas uma espiral absurda de tentativas de contato, de pedidos de resgate, de estratégias de hostage negotiator que parecem beirar o impossível. A raiva é palpável, a frustração é quase física, e a gente se vê torcendo, com o coração na mão, por cada pequeno avanço.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Diretor | Niels Arden Oplev |
| Roteirista | Anders Thomas Jensen |
| Produtores | Morten Kaufmann, Signe Leick Jensen |
| Elenco Principal | Esben Smed, Toby Kebbell, Amir El-Masry, Sara Hjort Ditlevsen, Charlie Carrick |
| Gênero | Drama |
| Ano de Lançamento | 2019 |
| Produtoras | Toolbox Film, Cinenic Film, Deluca Film, Film i Väst, Hummelfilm |
Amir El-Masry, no papel de “John (Beatles)”, um dos guardas britânicos do ISIS, é arrepiante. Não é um vilão caricatural; é a representação de uma ideologia islamista distorcida e de uma frieza derogatory que se manifesta em gestos pequenos e em um tom de voz que é ao mesmo tempo calmo e ameaçador. A interação entre ele e Daniel, especialmente com a chegada de outros reféns como o jornalista americano James Foley (Toby Kebbell, em uma interpretação tocante), revela camadas de camaradagem forçada e de uma defiant resistência humana que floresce mesmo nas condições mais adversas. Há uma cena, que não vou detalhar para não estragar a experiência de quem ainda não viu, que ilustra perfeitamente a fragilidade da vida e a força do espírito humano, um momento tão candid quanto doloroso.
A direção de Niels Arden Oplev é sóbria, sem exageros melodramáticos. Ele confia na força da história e na entrega de seu elenco para evocar as emoções necessárias. E Anders Thomas Jensen, no roteiro, consegue costurar essas duas narrativas — o inferno no cativeiro e o purgatório da família — de forma orgânica, sem jamais perder o ritmo ou a intensidade. O filme não busca ser um thriller de ação; é um drama de sobrevivência psicológico, um estudo sobre a resiliência e a tenacidade em face do terrorismo mais brutal.
Sabe, há filmes que a gente assiste e logo esquece. O Sequestro de Daniel Rye não é um desses. Ele te persegue. Você se pega pensando nos detalhes, na cor da pele de Daniel depois de meses sem sol, no som da corrente batendo no chão, no olhar da mãe dele ao atender um telefone. É uma obra que não se contenta em te entreter; ela te convida a refletir sobre a fragilidade da vida, a audácia da esperança e o custo invisível da guerra. É, sem dúvida, um filme que merece ser visto, sentido e debatido, uma lembrança poderosa de que, mesmo nas sombras mais densas, a chama da humanidade, por mais tênue que seja, nunca se apaga por completo. E a gente, com sorte, tá aqui pra contar a história.




