Sabe aquela sensação, quase um eco distante, quando uma melodia antiga te pega desprevenido e te joga no colo de um tempo que já se foi? É um arrepio na espinha, uma memória que se acende, e por um instante, o passado e o presente dançam juntos. É exatamente essa magia que O Sonho de Ontem me evocou, me puxando para a tela e me convidando a uma viagem tão inusitada quanto poeticamente humana.
Quando soube da premissa – Perez Prado, o Rei do Mambo, despertando na Cidade do México de 2020 – meu primeiro pensamento foi: “Isso é loucura. E é brilhante.” Como um ícone de um passado vibrante navegaria em um mundo digital, acelerado, mas ainda pulsante de ritmos? Essa curiosidade, esse “e se”, foi o que me fisgou e me fez mergulhar de cabeça na visão de Emilio Maillé. O filme não apenas responde a essa pergunta, mas a expande, transformando-a em uma meditação sobre amor, legado e a eternidade da música.
A jornada de Prado, interpretado com uma mistura de dignidade e desorientação por Rubén Albarrán, é o coração que pulsa em O Sonho de Ontem. Albarrán, que já tem uma voz tão icônica na música contemporânea, encarna o maestro com uma profundidade que vai além da simples imitação. Seus olhos, ora perdidos no brilho frio das telas de celular, ora acesos pela faísca de um mambo improvisado, contam a história de um homem fora de seu tempo, mas não fora de sua paixão. Quando ele caminha pelas ruas barulhentas da Cidade do México, é quase possível sentir o peso do mundo novo sobre seus ombros, a cacofonia de buzinas e reggaeton que se choca com o ritmo sincopado de sua alma.
A busca por Magdalena, o amor de sua vida, não é apenas uma missão romântica; é uma jornada para reencontrar a si mesmo. É a âncora que o conecta ao seu passado, a razão para desbravar um presente incompreensível. E é aí que entra Lázaro, o jovem interpretado por Benny Emmanuel, que se torna o improvável guia de Prado. A dinâmica entre os dois é um dos grandes achados do filme. Lázaro, com sua energia juvenil e seu celular sempre à mão, é a ponte entre dois mundos. Ele não entende a nostalgia de Prado, mas reconhece a paixão, o ritmo inegável que ressoa em cada nota. A cena em que Lázaro, pela primeira vez, realmente se entrega ao mambo, movido pela energia contagiante de Prado, é um momento puro de transcendência cultural e geracional. Não é sobre explicar o passado, mas sobre sentir a sua batida.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Diretor | Emilio Maillé |
| Roteiristas | Emilio Maillé, Javier Peñalosa |
| Produtores | Mónica Lozano, Gustavo Angel Olaya |
| Elenco Principal | Rubén Albarrán, Benny Emmanuel, Blanca Guerra, Paco Rueda, Ari Gallegos |
| Gênero | Drama, Fantasia, Música |
| Ano de Lançamento | 2022 |
| Produtoras | Alebrije Producciones, El Caiman |
Emilio Maillé e Javier Peñalosa, no roteiro, construíram uma narrativa que, embora fantástica em sua premissa, permanece firmemente enraigada na emoção humana. Eles não caem na armadilha de apenas chocar o personagem com o futuro; eles exploram como o futuro, de alguma forma, ainda carrega vestígios do passado. A vida noturna da Cidade do México, com seus clubes e sua mescla de ritmos, serve como um microcosmo onde o mambo de Prado não é um dinossauro, mas um ancestral reverenciado, ainda capaz de incendiar uma pista de dança.
E a música! Ah, a música em O Sonho de Ontem é um personagem por si só. Não apenas as composições atemporais de Perez Prado, que nos fazem querer sair dançando pela sala, mas também a forma como elas se entrelaçam com os sons contemporâneos da cidade. É um diálogo musical, uma prova de que a melodia, assim como o amor, encontra sempre um caminho para se manifestar.
A chegada de Magdalena, ou talvez a encontro dela, é sutil e poderoso. A forma como Blanca Guerra (Cristina) se encaixa nessa narrativa, representando talvez a sabedoria do tempo, a resiliência do amor, ou a reinterpretação do que significa “encontrar” alguém depois de tanto tempo, adiciona camadas de nuance. Não é um reencontro de conto de fadas, mas um momento agridoce, real, sobre o que o tempo faz com as pessoas e com as memórias, e o que permanece intacto. A busca não termina em um abraço estático, mas em uma compreensão mais profunda da continuidade e da mudança.
O Sonho de Ontem é um filme que me fez pensar. Pensar sobre a efemeridade da vida, sobre a eternidade da arte, sobre como as pessoas que amamos nos moldam e sobre como a memória se adapta. É uma carta de amor à Cidade do México, ao mambo, e a todos os sonhadores que, como Prado, se recusam a deixar que o tempo apague a sua melodia. Os produtores Mónica Lozano e Gustavo Angel Olaya, juntamente com Alebrije Producciones e El Caiman, merecem aplausos por trazerem à luz uma obra tão ambiciosa e cheia de alma.
Assistir a este filme em 2025, alguns anos depois de seu lançamento, é como redescobrir uma jóia que talvez não tenha recebido todo o brilho que merecia na primeira corrida. É um convite para refletir sobre nossa própria dança com o tempo, sobre as músicas que nos acompanham e sobre os amores que, mesmo distantes, continuam a guiar nossos passos. E se você, como eu, já se pegou pensando em um “ontem” que teimava em viver no seu “hoje”, então O Sonho de Ontem é para você. Ele não te dará respostas fáceis, mas te fará sentir, e isso, convenhamos, já é muito.




