O Telefone Preto

Ah, O Telefone Preto. É engraçado como algumas histórias se agarram à gente, não é? A gente assiste a tantos filmes, e a maioria se dissolve na memória como açúcar em água quente. Mas aí vem um, meio sem pedir licença, e te cutuca em lugares que você nem sabia que existiam, e pronto: ele fica. Para mim, este filme de 2022, que já faz um tempinho desde seu lançamento (estamos em 2025, afinal!), continua ecoando, um lembrete vívido da fragilidade da infância e da resiliência que pode brotar nos cantos mais escuros. É por isso que eu sinto que preciso falar dele de novo, com um olhar mais atento e, quem sabe, um pouco mais de sabedoria que a experiência dos últimos anos nos dá.

Quando a gente pensa em terror, muitas vezes a mente vai direto para monstros de CGI ou sustos baratos. Mas O Telefone Preto, sob a batuta de Scott Derrickson e a pena afiada dele e de C. Robert Cargill, oferece algo mais visceral. Ele nos joga de cabeça nos anos 70, em um subúrbio de Colorado onde a infância não era a bolha protegida que idealizamos hoje. Ali, a molecada vivia solta, sim, mas também à mercê de valentões nas ruas e, pior, de fantasmas dentro de casa. Finney Blake, nosso protagonista de 13 anos interpretado com uma vulnerabilidade tocante por Mason Thames, vive nesse mundo, navegando entre a dureza da escola e a sombra de um pai alcoólatra. A vida já era uma corda bamba antes do verdadeiro horror bater à porta.

E que horror é esse! Ethan Hawke, quase irreconhecível sob uma coleção de máscaras diabólicas, entrega um dos vilões mais arrepiantes dos últimos tempos: The Grabber. Ele não precisa de diálogos elaborados para ser a personificação do mal; sua presença, seu olhar por trás daquelas máscaras, a affectation em seus gestos, são mais que suficientes para gelar a espinha. É um trabalho de atuação magistral que prova que o menos, muitas vezes, é o mais aterrorizante. Quando Finney é arrastado para a van preta e trancado naquele porão à prova de som – uma cave que é um limbo de desespero e silêncio – o filme nos coloca lado a lado com ele, sentindo cada pulsação de pânico, cada partícula de poeira que dança na tênue luz que filtra.

Mas é aí que o filme, baseado no conto de Joe Hill, subverte as expectativas. Não é só um thriller de sequestro. Não é só um slasher disfarçado. De repente, um telefone velho, desconectado da parede, começa a tocar. E as vozes do outro lado não são ameaças, mas sussurros de alívio, conselhos desesperados. São as vítimas anteriores do Grabber, presas em um purgatório sobrenatural, estendendo uma mão fantasmagórica para Finney. É uma ideia que poderia facilmente descambar para o absurdo ou o piegas, mas aqui, ela ganha uma gravidade e uma urgência que tocam fundo. É a esperança nascida do desespero, a solidariedade dos mortos para com os vivos.

Atributo Detalhe
Diretor Scott Derrickson
Roteiristas Scott Derrickson, C. Robert Cargill
Produtores Jason Blum, C. Robert Cargill, Scott Derrickson
Elenco Principal Mason Thames, Ethan Hawke, Madeleine McGraw, Jeremy Davies, E. Roger Mitchell, Troy Rudeseal, James Ransone, Miguel Mora, Rebecca Clarke, J. Gaven Wilde
Gênero Terror, Thriller
Ano de Lançamento 2022
Produtoras Blumhouse Productions, Crooked Highway

E é aqui que entramos no coração pulsante do filme: a relação entre Finney e sua irmã mais nova, Gwen, interpretada pela extraordinária Madeleine McGraw. Se há uma performance “reveladora” neste filme, como bem observou um crítico na época, é a dela. Gwen é um furacão de determinação e fé, com sonhos proféticos que, muitas vezes, são a única janela para o mundo lá fora e a única pista para a polícia. A dor dela, a raiva, a crença inabalável de que seu irmão será salvo, são palpáveis. É o laço fraterno, o amor incondicional, que dá a este terror a sua humanidade, seu fôlego vital. A gente vê a garotinha sentada no banheiro, conversando com Deus, e o coração aperta. É uma cena simples, mas que diz tanto sobre a inocência ferida e a fé inabalável.

Para alguns, a primeira meia hora do filme, antes do sequestro de Finney, pode parecer um “preenchimento” para estender um conto curto. Mas eu discordo veementemente. Essa introdução é crucial. Ela estabelece o cenário brutal, o bullying endêmico, o pai alcoólatra e violento. Cria um mundo onde as crianças são vulneráveis e sozinhas, tornando o desaparecimento de Finney não um evento isolado, mas a culminação de uma série de negligências e medos. Sem essa imersão na realidade áspera dos irmãos Blake, o sequestro não teria o mesmo peso emocional, e a luta de Finney não seria tão inspiradora. Essa base torna o sobrenatural ainda mais potente, porque ele surge de uma necessidade desesperada e muito humana de ajuda.

O filme flutua entre o terror psicológico e o sobrenatural, lembrando clássicos como “O Sexto Sentido” ou até mesmo o assombro sutil de “O Efeito Dominó” (Stir of Echoes), mas sempre mantendo sua própria identidade. Não se trata apenas de fantasmas que assustam, mas de vozes que guiam, de memórias que empoderam. É uma meditação sobre a coragem, sobre encontrar a força dentro de si mesmo quando o mundo exterior falha. É sobre a luta contra um mal sádico e imprevisível, e sobre a faísca da esperança que se recusa a ser extinta, mesmo na mais escura das celas.

O Telefone Preto não é um filme que se deleita em sangue e tripas, embora o suspense seja sufocante. Sua verdadeira força está na construção da atmosfera, na performance impecável do elenco e, acima de tudo, na sua capacidade de nos conectar com o medo primal da perda e com a potência avassaladora do amor. É uma obra que te pega pela gola, te sacode e te lembra que, mesmo nos lugares mais sombrios, às vezes, basta um toque, uma voz, para acender uma chama. E essa é uma mensagem que, três anos depois, continua tocando tão forte quanto o telefone desligado naquele porão.

Trailer

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