Existe algo quase magnético nos filmes de terror que vêm da Irlanda. Talvez seja a névoa, a tradição oral rica em contos sombrios, ou a maneira como o folclore e a modernidade se entrelaçam em suas paisagens. Seja qual for o motivo, eu, como um apaixonado por esse nicho, estou sempre à espreita de algo que me tire o sono sem recorrer a sustos baratos. E é exatamente por essa busca incessante por um bom calafrio que Oddity – Objetos Obscuros chamou minha atenção. Afinal, um filme que promete uma mulher cega em busca de vingança com itens amaldiçoados? Ah, aí você me pegou.
“Oddity”, lançado originalmente em 2024 e com estreia aqui no Brasil em 26 de setembro do mesmo ano – sim, já passou mais de um ano, e o filme ainda ecoa na minha mente –, não é o tipo de terror que se contenta em te dar um ou dois pulos na cadeira. Não, senhor. Ele se aninha lentamente, como uma aranha tecendo sua teia nos cantos mais empoeirados da sua psique. A premissa é um soco no estômago, mas com uma luva de veludo. Dani e seu marido, Ted, reformando uma casa de campo remota, um sonho que se transforma em pesadelo quando Dani é brutalmente assassinada. O suspeito? Um paciente de sanatório que, de forma quase poética, é inocentado para ser assassinado pouco tempo depois. O universo tem um senso de humor macabro, não tem?
Mas é um ano depois que a verdadeira dança da morte começa. Darcy Odello, a irmã gêmea de Dani, uma mulher cega, mas com uma percepção que transcende os olhos, decide que algo não cheira bem nesse mistério. E ela não volta para o velório, mas para confrontar Ted e sua nova namorada, trazendo consigo o arsenal mais perigoso que se pode imaginar: os itens mais cruéis e agressivos de uma coleção amaldiçoada. Aqui, Damian McCarthy, que assume tanto a direção quanto o roteiro, nos mergulha em um turbilhão de mistério, paranormalidade e um desejo de vingança que beira o desespero. É um home invasion invertido, sabe? A vítima, ou melhor, a vingadora, é quem invade o espaço, e a ameaça não vem da violência física inicial, mas da quietude sinistra dos “oddities”.
Carolyn Bracken, gente, ela é a espinha dorsal desse filme. Dar vida a Dani e, principalmente, a Darcy, não é para qualquer um. Como Darcy, cega, ela não precisa ver para nos fazer sentir o peso de sua dor e a força de sua determinação. Seus passos tateando o chão, sua bengala encontrando o vazio, são mais aterrorizantes do que mil jumpscares. Você vê nas suas feições, nos seus movimentos calculados, a clareza de sua missão, a ferida aberta da perda da irmã. É o tipo de atuação que te faz esquecer que está assistindo a um filme, te arrasta para dentro da escuridão dela. Gwilym Lee, como Ted, consegue nos manter em xeque: ele é a vítima desamparada ou um lobo em pele de cordeiro? A ambiguidade de seu olhar é deliciosa e frustrante na medida certa.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Damian McCarthy |
Roteirista | Damian McCarthy |
Produtores | Katie Holly, Laura Tunstall, Evan Horan, Mette-Marie Kongsved |
Elenco Principal | Carolyn Bracken, Gwilym Lee, Steve Wall, Joe Rooney, Tadhg Murphy |
Gênero | Terror, Mistério |
Ano de Lançamento | 2024 |
Produtoras | Keeper Pictures, Nowhere, Shudder |
E os objetos obscuros, as “oddities” em si… ah, essas são as verdadeiras estrelas do show. Um mannequin, por exemplo, não é apenas um boneco; nas mãos de McCarthy, e sob a influência de Darcy, ele se transforma em um observador cruel, um catalisador de tormento. São objetos que parecem ter absorvido a dor e a malícia de vidas passadas, e Darcy, como uma espécie de psychic medium, os usa como extensões de sua própria dor e raiva. É um toque brilhante do terror irlandês, onde o folclore e o sobrenatural são tão palpáveis quanto o vento gelado do Atlântico. A gente sente o peso daquelas relíquias, a história silenciosa de cada uma delas, o poder que emana, frio e cortante.
A construção da atmosfera é de tirar o fôlego. McCarthy não tem pressa. Ele nos envolve em um manto de suspense, cada ruído na casa, cada sombra, cada movimento de câmera é pensado para criar uma tensão quase insuportável. É um filme que respira com o ritmo do coração acelerado de seus personagens. As paisagens remotas, o isolamento, tudo contribui para essa sensação claustrofóbica, mesmo em um ambiente aparentemente aberto.
No entanto, e aqui chegamos ao ponto onde muitos, inclusive eu, sentiram um tremor na estrutura, o ato final de “Oddity” pode ser… divisivo. A jornada até lá é quase perfeita, tecendo um mistério intrincado com elementos paranormais de forma magistral. A grande revelação, o desenlace das pontas soltas, é satisfatório em seu cerne, mas o que acontece depois dessa revelação, a forma como a conclusão se desenrola, pode deixar um gosto agridoce na boca. É como se a melodia perfeita, que vinha nos encantando, tivesse uma nota ligeiramente desafinada no final, não estragando a música por completo, mas impedindo-a de alcançar a harmonia sublime. Para um filme que construiu tanto com nuances e sutileza, o desfecho tende a ser um pouco mais… direto, talvez. Ele não falha miseravelmente, mas não atinge a mesma elevação que o resto da obra promete e entrega.
Oddity – Objetos Obscuros é uma experiência de terror que vale a pena, uma joia talvez um pouco polida demais no final, mas que brilha intensamente na maior parte do tempo. É um mergulho profundo no luto, na vingança e no inexplicável, embalado em uma direção segura e atuações memoráveis. Para quem busca um terror mais cerebral, que se infiltra sob a pele em vez de apenas te assustar, este é um prato cheio.
E você, o que achou do final de “Oddity”? A revelação e o desenrolar final funcionaram para você, ou também sentiu que faltou um toque para a perfeição? Deixe sua opinião nos comentários!