On the Rocks

É curioso como alguns filmes permanecem conosco, não pela grandiosidade de suas reviravoltas, mas pela delicadeza de seus sussurros, pela forma como tocam em algo profundamente humano. On the Rocks, de Sofia Coppola, lançado originalmente em 2020 – parece que foi ontem, o tempo voa, e hoje, 15 de outubro de 2025, a gente ainda fala dele –, é um desses. Não é uma obra que grita; ela convida você a sentar, talvez com um bom uísque na mão, e a observar as nuances da vida.

Minha motivação para revisitá-lo? Talvez seja o fascínio contínuo pela maneira como Sofia Coppola desvenda a psique feminina, ou talvez a simples alegria de ver Bill Murray em cena, mas, mais profundamente, é a ressonância das dúvidas que o filme explora. Todos nós, em algum momento, já nos pegamos questionando a solidez de nossas próprias certezas, especialmente nas relações mais íntimas.

No centro da história, encontramos Laura (Rashida Jones), uma escritora e mãe em Nova York, cujos dias são uma orquestra de prazos, crianças pequenas e, subitamente, uma melodia dissonante de insegurança sobre o seu casamento com Dean (Marlon Wayans). Ele é charmoso, bem-sucedido, mas as horas extras, as viagens a trabalho e um certo distanciamento que Laura percebe, começam a tecer uma teia de suspeita. A cidade de Nova York, com seu ritmo frenético e suas infinitas possibilidades, parece intensificar essa sensação de que algo pode estar acontecendo nas sombras, nas entrelinhas da vida cotidiana de um casal casado com filhos.

É nesse turbilhão de incertezas que entra Felix (Bill Murray), o pai de Laura. Felix não é um pai qualquer; ele é um excêntrico playboy, um homem que viveu (e ainda vive) pela filosofia do “aproveite o agora”, um colecionador de experiências e, francamente, de mulheres. Ver Murray neste papel é um presente. Ele não interpreta apenas um playboy; ele é a própria encarnação daquele tio charmoso, um tanto irresponsável, mas irresistível, que você ama apesar (ou por causa) de tudo. Felix é um manancial de frases de efeito e um cínico romântico que vê o mundo através das lentes de suas próprias experiências – e para ele, todo homem, incluindo o seu genro, é um potencial traidor. Ele é o tipo de figura que, ao invés de acalmar as águas turbulentas da mente de sua filha, joga mais combustível na fogueira, propondo uma “investigação” para desvendar o que Dean estaria fazendo.

AtributoDetalhe
DiretoraSofia Coppola
RoteiristaSofia Coppola
ProdutoresSofia Coppola, Youree Henley
Elenco PrincipalBill Murray, Rashida Jones, Marlon Wayans, Jessica Henwick, Jenny Slate
GêneroDrama, Comédia, Romance
Ano de Lançamento2020
ProdutoraAmerican Zoetrope

A dinâmica pai e filha aqui é o coração pulsante do filme. Laura, com sua vulnerabilidade palpável, está exausta, e a ideia de se juntar ao pai em uma aventura quase detetivesca, seguindo os passos de seu marido, é ao mesmo tempo absurda e um escape catártico. Sofia Coppola, com sua sensibilidade ímpar para a complexidade da mulher contemporânea, nos coloca bem dentro dessa cabeça, observando cada olhar furtivo de Laura, cada mensagem não respondida do marido que ganha proporções gigantescas na mente dela. Ela não nos diz que Laura está aflita; ela nos mostra suas mãos apertando o celular com força excessiva, seus olhos perdidos na janela do táxi, enquanto a noite de Manhattan se estende à frente.

A trama, que se desenrola como uma espécie de investigação amadora pelas ruas chiques e pelos táxis amarelos de Nova York, é ao mesmo tempo divertida e melancólica. Felix, com seus carros esportivos e sua rede de contatos duvidosa, arrasta Laura para uma caçada que é absurda e, no fundo, profundamente reveladora sobre o relacionamento deles. A cidade, com seus restaurantes badalados e seus cenários noturnos, não é apenas um pano de fundo; ela se torna cúmplice, um personagem silencioso que testemunha a fragilidade das relações humanas e a persistência do vínculo familiar. É ali, entre jantares sofisticados e conversas francas em carros, que as verdades e as projeções do relacionamento entre pai e filha vêm à tona, muitas vezes, de forma inconsciente. O cinismo de Felix sobre o casamento e sobre os homens, ele mesmo um autor de romances com um pé na vivência libertina, é uma herança pesada que Laura carrega, moldando suas próprias dúvidas.

Alguns críticos disseram que On the Rocks é “bonitinho e doce”, talvez sem o “punch” que se esperava de um filme de Sofia Coppola ou de um projeto com Bill Murray. E sabe o quê? Eu entendo esse sentimento. Não é um filme que busca grandes explosões dramáticas ou reviravoltas chocantes. A beleza de On the Rocks está justamente em sua sutileza, em como ele aborda as fissuras em um casamento, as inseguranças que corroem por dentro, não com um martelo, mas com um pincel delicado. É um drama com pitadas de comédia, um romance que celebra a complexidade da condição humana, mas de uma maneira agridoce. É sobre a dança entre a confiança e a desconfiança, a lealdade e a tentação, e a complexidade das relações entre pais e filhos, onde o amor se mistura com projeções e, às vezes, com um certo grau de toxicidade velada. Felix, com todo o seu charme, é também a fonte de muita da insegurança de Laura, um homem que, sem querer, talvez plantou as sementes da dúvida em sua filha desde cedo.

Ao final, On the Rocks não nos dá respostas fáceis, e é aí que reside sua força. Ele nos convida a refletir sobre as nossas próprias relações, sobre como a história familiar molda quem somos e como enxergamos o amor e a traição. Não se trata apenas de saber se houve uma infidelidade, mas de entender o que nos leva a duvidar, o que nos faz buscar a verdade, mesmo que ela possa doer. É uma obra que, sem fogos de artifício, mas apenas com a honestidade de uma boa conversa e um cenário de Nova York, consegue nos tocar de uma forma muito particular. E, para mim, qualquer filme que consiga isso, já merece um brinde.

Trailer