Os Banshees de Inisherin

Existe uma categoria de filmes que, mesmo após os créditos rolarem e as luzes da sala se acenderem, continuam a reverberar na gente. Não apenas pela história que contam, mas pela atmosfera que criam, pelos questionamentos que plantam e pelos personagens que se recusam a sair da nossa cabeça. Os Banshees de Inisherin é, para mim, um desses filmes. Por que eu sinto essa necessidade de escrever sobre ele, quase três anos depois da sua estreia no Brasil em fevereiro de 2023? Porque ele é como uma daquelas canções irlandesas antigas: melancólica, engraçada, trágica e, de alguma forma, profundamente honesta sobre a absurda complexidade da condição humana.

Imagine-se numa ilha remota na Irlanda, em plenos anos 1920, com a Guerra Civil Irlandesa como um ruído distante no continente. A vida é simples, ditada pelos ciclos da natureza, pelas idas ao pub e pelas pequenas rotinas. É nesse cenário que encontramos Pádraic Súilleabháin, um sujeito gentil e ingênuo interpretado com uma inocência tocante por Colin Farrell. Ele vive para a sua irmã, Siobhán (Kerry Condon, que entrega uma performance de uma força e sensibilidade impressionantes), e para as suas conversas diárias com seu melhor amigo, Colm Doherty. Colm, vivido com uma solenidade quase dolorosa por Brendan Gleeson, é um músico talentoso, um homem de pensamentos profundos e, de repente, de decisões radicais.

A premissa é tão simples que chega a ser brutal: Colm, abruptamente, decide que não quer mais ser amigo de Pádraic. Sem rodeios, sem explicação, apenas um “Eu não gosto mais de você”. E aí, meu caro leitor, é onde a genialidade de Martin McDonagh (diretor e roteirista) se manifesta em sua forma mais pura. Você já se viu numa situação em que uma amizade, que parecia sólida como as rochas de Inisherin, simplesmente desmorona sem um motivo aparente? É um soco no estômago, não é? E é exatamente isso que Pádraic sente, e nós sentimos com ele. Sua incredulidade, sua dor, sua persistência em entender “o porquê” são o motor inicial dessa comédia de humor negro que, sem que a gente perceba, vai se transformando numa tragédia.

Colm quer ser lembrado por algo mais do que apenas um “homem gentil”. Ele quer criar música, deixar um legado, algo que o eleve acima da mesmice da vida na ilha. Pádraic, por outro lado, valoriza justamente a gentileza, a companhia, o simples prazer de uma pint no pub com um amigo. O conflito entre “ser lembrado” e “ser bom” é o cerne dessa história, e McDonagh o explora com uma acidez que te faz rir e, no próximo instante, questionar a própria alma. Colm, num ato de autossabotagem extrema, e para demonstrar a seriedade de sua decisão, começa a ameaçar com a auto-mutilação cada vez que Pádraic tentar falar com ele. É chocante, é ridículo, e é perfeitamente McDonagh.

AtributoDetalhe
DiretorMartin McDonagh
RoteiristaMartin McDonagh
ProdutoresMartin McDonagh, Graham Broadbent, Peter Czernin
Elenco PrincipalColin Farrell, Brendan Gleeson, Kerry Condon, Barry Keoghan, Gary Lydon
GêneroDrama, Comédia
Ano de Lançamento2022
ProdutorasSearchlight Pictures, Blueprint Pictures, Film4 Productions, TSG Entertainment

E não posso deixar de mencionar a figura de Dominic Kearney (Barry Keoghan, num desempenho que te parte o coração e te faz rir ao mesmo tempo). O “idiota” da vila, vítima do pai abusivo (Gary Lydon), Dominic é a personificação da solidão e da busca desesperada por afeto. Ele é o espelho de Pádraic em sua inocência, mas sem a âncora de uma irmã como Siobhán. Sua história é um aparte melancólico que sublinha a desesperança subjacente à vida em Inisherin. A presença constante da pequena jumenta de Pádraic, Jenny, que quase funciona como uma ouvinte silenciosa e cúmplice, também adiciona uma camada de ternura e vulnerabilidade ao filme.

O cenário da ilha, com suas paisagens esmeraldas e céus cinzentos, é quase um personagem à parte. A igreja, o pub, os caminhos estreitos — tudo contribui para a sensação de que esses personagens estão encurralados, não apenas pela geografia, mas pelas suas próprias teimosias e pelos ciclos viciosos que criam. A violência distante da Guerra Civil Irlandesa, com seus tiros e explosões que soam ao fundo, funciona como uma analogia perfeita para a escalada da irracionalidade entre Pádraic e Colm. Uma guerra em miniatura, onde o absurdo e a dor se confundem.

O ritmo do filme, com seus diálogos afiados e pontuados por silêncios significativos, flui como a própria vida: com momentos de leveza e outros de uma densidade avassaladora. McDonagh tem um dom para a palavra, para criar frases que parecem simples, mas carregam um peso imenso. A performance do elenco, então, é a cereja do bolo. Farrell, Gleeson, Condon e Keoghan não estão apenas atuando; eles habitam seus personagens com uma convicção que é rara de se ver. Você sente a dor, a raiva, o desespero e até mesmo o estranho carinho que ainda existe entre eles.

Os Banshees de Inisherin é um filme que me fez pensar sobre a natureza da amizade, sobre o que nos move, sobre a nossa necessidade de ser lembrado ou apenas de ser aceito. É uma obra que te pega desprevenido, te arranca risadas nervosas e, no final, te deixa com um gosto agridoce na boca, a mente a fervilhar. É um grito de melancolia disfarçado de farsa, uma reflexão sobre a futilidade da raiva e o preço da solidão. E por isso, mesmo três anos depois, eu ainda o carrego comigo, como um segredo sussurrado pelas Banshees da ilha.

Trailer

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