Em meio à avalanche de produções cinematográficas que nos bombardeiam diariamente, há certos filmes que, para mim, se assentam na memória não por seu brilho efêmero de lançamento, mas pela persistência silenciosa de sua mensagem. É o caso de Perigo Iminente (ou “Danger Close”, no original), um filme que, lançado em 2019 e chegando ao Brasil em 2022, ainda ecoa na minha mente, especialmente hoje, em setembro de 2025, por sua brutal honestidade e pela força incontestável de sua narrativa.
Por que falo dele agora? Talvez seja porque, com o tempo, a pele do espetáculo se esvai, e o que resta é a carne crua da história, o nervo exposto da experiência humana sob pressão. E poucos filmes da safra recente me fizeram sentir isso tão visceralmente quanto a reconstituição da Batalha de Long Tan. Nós, como espectadores, somos muitas vezes condicionados a esperar o herói de Hollywood, a trilha sonora épica que anuncia a vitória certa. Perigo Iminente joga tudo isso pela janela, e é exatamente aí que reside sua potência.
Você já parou para pensar no que significa estar em um campo de batalha, encurralado, com um punhado de companheiros, sabendo que os números são absurdamente contra você? Não me refiro a um cenário de filme de ação, onde um único protagonista despacha centenas com destreza inabalável. Falo de um cenário real, onde 108 rapazes, muitos deles recém-saídos da adolescência, enfrentaram cerca de 2500 inimigos veteranos em uma plantação de borracha vietnamita. É uma diferença que grita desespero, e é isso que o diretor Kriv Stenders e seus roteiristas – Stuart Beattie, Karel Segers, James Nicholas, Jack Brislee, Paul Sullivan – nos entregam. Não há tempo para pensar em glória; há apenas a luta para sobreviver e proteger o homem ao seu lado.
Kriv Stenders, por sinal, parece ter compreendido a essência do que significa narrar um evento como este sem se render às tentações do melodrama fácil. A crítica da SWITCH acertou em cheio ao pontuar que o filme é um “relato épico da Batalha de Long Tan, sem exageros hollywoodianos, sem cortes narrativos convenientes e sem amarrações coloridas”. E é exatamente essa crueza que me prendeu. Você não vê heróis invencíveis; vê jovens com medo nos olhos, mas que se recusam a ceder um centímetro de terra. A câmera se enfia no meio do lamaçal, da chuva torrencial, dos tiros, e nos faz sentir o pavor, o suor frio, a exaustão. Os diálogos, mesmo que eu não me lembre de cada palavra, transparecem a camaradagem forjada no inferno, as ordens dadas com a voz embargada pela tensão, mas com a firmeza de quem carrega a vida de dezenas nas costas.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Kriv Stenders |
Roteiristas | Stuart Beattie, Karel Segers, James Nicholas, Jack Brislee, Paul Sullivan |
Produtores | John Schwarz, Martin Walsh, Tony H. Noun, Stuart Beattie, Andrew Mann, Silvio Salom, Michael Schwarz |
Elenco Principal | Travis Fimmel, Luke Bracey, Daniel Webber, Alexander England, Aaron Glenane, Nicholas Hamilton, Myles Pollard, Matt Doran, Anthony Hayes, Richard Roxburgh |
Gênero | Guerra, Ação, Drama, História |
Ano de Lançamento | 2019 |
Produtoras | Red Dune Films, Full Clip Productions, Deeper Water Films, Sunjive Studios, THN Nominees, Hoosegow Productions, Ingenious Media |
E por falar em carregar vidas, o elenco é a espinha dorsal dessa imersão. Travis Fimmel, conhecido por sua intensidade, entrega um Major Harry Smith que é a personificação da liderança sob fogo. Não é um líder infalível, mas um homem que, mesmo com a responsabilidade esmagadora e a iminência da aniquilação, mantém a calma necessária para guiar seus homens. Os olhos de Fimmel falam mais do que qualquer monólogo. Luke Bracey, como o Sargento Bob Buick, e Daniel Webber, como o Soldado Paul Large, representam essa juventude atirada no caos, a transição abrupta de “garotos” para “soldados” em questão de horas. A relação de “brothers-in-arms” aqui não é romantizada; é uma necessidade primária, um elo de sobrevivência. Ver Alexander England como o Suboficial Jack Kirby ou Nicholas Hamilton como o Soldado Noel Grimes nos faz sentir a perda potencial de cada um deles, não como números, mas como histórias que poderiam ser as nossas.
O filme não é apenas um espetáculo de guerra; é um drama profundo que mergulha na psicologia do combate. É uma aula de história que nos lembra do sacrifício de muitos, muitas vezes esquecidos em meio a narrativas maiores. A contribuição dos ANZACs na Guerra do Vietnã, essa batalha específica, ganha um respiro de visibilidade que há muito merecia. Não é um filme para quem busca apenas uma dose de adrenalina – embora a ação seja intensa e sem fôlego –, mas para quem quer entender a resiliência humana diante do impossível.
Gimly, outro crítico, apontou que filmes de guerra não eram particularmente o gênero mais próximo ao seu coração, mas que Perigo Iminente talvez agradasse aos fãs. Eu ouso ir além: mesmo para quem não é um “fã” do gênero, a humanidade explícita neste filme o torna relevante. Ele me fez pensar sobre a natureza da coragem, sobre o peso da decisão e sobre o elo indestrutível que se forma entre pessoas que enfrentam a morte lado a lado.
Perigo Iminente é um soco no estômago, sim, mas um soco que te deixa mais consciente. Ele não tenta te convencer de uma ideologia, nem glorifica a carnificina. Ele simplesmente mostra, com uma honestidade brutal, o que aconteceu. E é por essa honestidade, por essa capacidade de nos transportar para aquele inferno em Long Tan, sem concessões, que ele continua a ressoar, um lembrete vívido da fragilidade e da força do espírito humano. É um filme que, passados alguns anos de seu lançamento, merece ser redescoberto e sentido, não apenas assistido.