François Ozon e a Destruição Elegíaca em Peter von Kant
Confesso, cheguei a Peter von Kant (2022) com certo receio. Ozon, apesar de seu talento indiscutível, às vezes me deixa com a sensação de estar assistindo a uma versão estilizada demais de seus próprios filmes anteriores. Mas dessa vez, a ousadia de sua releitura de “Os Injustiçados” de Fassbinder, e a promessa de uma interpretação visceral de Denis Ménochet, me conquistaram. E, felizmente, minhas expectativas foram superadas. Lançado no Brasil em 20/10/2022, o filme permanece, em 15/09/2025, uma obra que continua a ecoar em minha mente.
O filme acompanha Peter von Kant, um cineasta egocêntrico e autodestrutivo, em sua intensa e tumultuada relação com Amir, um jovem ator. A dinâmica de poder, a obsessão, a dependência e a subsequente queda são retratadas com uma honestidade brutal e uma elegância visual surpreendente. Sem revelar muito da trama, posso dizer que o longa-metragem explora temas universais de amor, paixão, perda e autoengano com uma intensidade que raramente se vê no cinema contemporâneo.
A direção de Ozon é impecável. Ele abraça a estética teatral – algo inerente à obra original de Fassbinder – mas consegue transpô-la para a tela sem perder a fluidez cinematográfica. Os planos são meticulosamente compostos, a iluminação trabalha a atmosfera de maneira magistral, e a trilha sonora sutilmente intensifica a tensão emocional das cenas. O roteiro, também assinado por Ozon, é tão afiado quanto uma faca, com diálogos cortantes e reveladores, que expõem as fragilidades e as contradições dos personagens de forma implacável.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Diretor | François Ozon |
| Roteirista | François Ozon |
| Produtor | François Ozon |
| Elenco Principal | Denis Ménochet, Isabelle Adjani, Khalil Ben Gharbia, Hanna Schygulla, Stefan Crepon |
| Gênero | Drama, Romance |
| Ano de Lançamento | 2022 |
| Produtoras | France 2 Cinéma, Playtime, SCOPE Pictures |
As atuações são outro ponto alto. Denis Ménochet entrega uma performance monumental como Peter, explorando todas as nuances de sua personalidade complexa – a arrogância, a vulnerabilidade, a autocomiseração, a crueldade. Ele não nos permite simpatizar com Peter, mas também não nos deixa indiferentes à sua dor. Isabelle Adjani, como sempre, é magnífica como Sidonie, a amiga e confidente de Peter, com uma presença cativante e uma aura de mistério que complementa a energia explosiva do protagonista. Khalil Ben Gharbia, como Amir, equilibra a ingenuidade com uma astúcia que o torna um personagem fascinante e, de certa forma, compreensível.
Apesar de sua excelência, o longa-metragem não está isento de críticas. Certa repetição temática, presente em alguns momentos do filme, poderia ter sido evitada. O ritmo, embora geralmente intenso, tem momentos de lentidão que podem, para alguns espectadores, afetar o impacto geral da narrativa.
No entanto, os pontos fortes de Peter von Kant superam em muito os seus pontos fracos. O filme é um estudo profundo da natureza humana, das armadilhas da paixão e do poder corrosivo da autodestruição. A mensagem central é complexa e ambígua, o que a torna ainda mais envolvente. Ozon não nos oferece respostas fáceis, mas sim um espelho distorcido, mas incrivelmente honesto, da nossa própria capacidade de amar e de nos autossabotar.
Peter von Kant não é uma experiência cinematográfica fácil. É um filme desafiador, desconfortável, até mesmo doloroso. Mas é, sem dúvida, um filme memorável. Sua beleza reside em sua honestidade brutal, em sua capacidade de mergulhar no abismo emocional dos seus personagens e nos confrontar com as verdades obscuras que geralmente tentamos ignorar. Recomendo a todos que buscam uma experiência cinematográfica profunda e inesquecível, mesmo que esta experiência venha acompanhada de uma sensação pungente de vazio. Para quem gosta de explorar os meandros da psique humana por meio de narrativas complexas e visceralmente reais, Peter von Kant é uma obra-prima a ser apreciada, disponível em plataformas digitais desde 2022.
