Eu tenho um fascínio quase mórbido por histórias que puxam o tapete de narrativas tidas como perfeitas, especialmente quando a fé e a moralidade são erguidas como escudos impenetráveis. E olha, poucas obras nos últimos anos mergulharam tão fundo nesse abismo quanto Proibido por Deus: O Escândalo que Destruiu uma Dinastia. Lançado em 2022 e desembarcando por aqui no Brasil quase imediatamente, esse documentário de Billy Corben é um soco no estômago que ainda ressoa em mim, mesmo agora, em 2025. Não é apenas a fofoca suculenta de um escândalo; é um estudo de caso perturbador sobre poder, hipocrisia e a frágil linha entre a imagem pública e a realidade privada.
Miami, com seu sol causticante e sua aura de promiscuidade latente, serve de pano de fundo para o início de tudo. É lá que Giancarlo Granda, um jovem piscineiro, encontra os Falwell: Becki, a mulher mais velha e Jerry Jr., o pastor evangélico, figura proeminente do conservadorismo americano e defensor ardoroso de Donald Trump. O que começa como um caso extraconjugal entre Becki e Granda se transforma numa teia de sete anos, com Jerry Falwell Jr. supostamente a par de tudo, e até mesmo participando, de acordo com as alegações. O filme nos arrasta para dentro dessa relação triangular que, à primeira vista, parece inacreditável para quem conhece a persona pública dos Falwell. E é aí que mora a genialidade e o desconforto da obra.
O que me prendeu do começo ao fim não foi só a revelação do segredo, mas a forma como a narrativa nos mostra a progressiva imersão de Giancarlo nesse mundo. Não é um salto para o abismo, mas uma lenta descida, degrau por degrau, para a vida supostamente “perfeita” e, ao mesmo tempo, terrivelmente corrompida dos Falwell. O diretor Billy Corben, conhecido por seu olhar afiado em documentários sobre os bastidores sombrios da sociedade (pense em seus trabalhos sobre Miami), maneja a história com uma sutileza que evita o sensacionalismo barato, optando por uma análise forense das dinâmicas de poder e sedução. A gente não vê as mãos de Granda tremendo de nervosismo, mas sente o aperto no peito, a ansiedade crescendo na forma como ele se expressa, nas pausas, nos detalhes minúsculos que constroem a tensão e a sensação de que algo muito errado está acontecendo.
O filme se beneficia enormemente das “interpretações” que dão corpo aos personagens centrais. Sam Myerson, no papel de Giancarlo Granda, não busca uma mera imitação, mas nos entrega a fragilidade e a complexidade de um homem jovem que se vê enredado numa situação muito maior do que ele. Ele não é apresentado como um santo, nem como um vilão unidimensional, mas como alguém que se aproveitou, sim, mas que também foi de certa forma cooptado, talvez até manipulado, por um poder que ele não conseguia sequer mensurar. E Becki Falwell, vivida por Betty Monroe, emerge como uma figura de inegável força, uma mulher que parecia controlar as rédeas de um jogo perigoso, com suas motivações sendo uma das grandes ambiguidades da trama. Já Landon Price, como Jerry Falwell Jr., consegue capturar a aura de autoridade e a frieza calculista do pastor, cuja fé, ironicamente, parecia ser mais uma ferramenta política do que uma bússola moral. Os trechos em que a gente vê o reporter Joe Allen Ray e o advogado Lou Silver contextualizando os fatos dão um peso de realidade que é fundamental.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Diretor | Billy Corben |
| Elenco Principal | Sam Myerson, Betty Monroe, Landon Price, Joe Allen Ray, Lou Silver |
| Gênero | Documentário |
| Ano de Lançamento | 2022 |
| Produtora | Hyperobject Industries |
Aqui está o cerne da questão: a hipocrisia religiosa. E “Proibido por Deus” não se limita a apontar o dedo. Ele disseca como a religião, em vez de ser um farol de retidão, pode ser instrumentalizada para criar uma fachada de virtude, enquanto por trás dos muros, regras são quebradas e princípios são vilipendiados. A conexão dos Falwell com o apoio a Trump não é um mero detalhe; ela sublinha como essa dinastia evangélica se tornou um pilar do poder político conservador, e como a imagem de moralidade era essencial para manter essa influência. O filme nos faz questionar: é possível separar o pregador da pregação quando a vida do pregador desmente cada palavra? É uma pergunta que te faz revirar na cadeira, sabe?
A montagem da Hyperobject Industries, o uso de material de arquivo e as entrevistas (ou reencenações) se entrelaçam para criar um ritmo que é ora frenético, ora sufocante. A gente sente o peso do segredo, a claustrofobia da vida dupla. Billy Corben tem a maestria de nos fazer sentir como detetives, desvendando camadas de uma história que, em sua essência, fala sobre a fragilidade humana e a tentação do poder. É uma analogia perfeita para um vaso de cristal que parece intocável por fora, mas que, ao ser virado, revela rachaduras profundas e escuras na sua base, ameaçando desmoronar a qualquer momento.
Passados alguns anos desde seu lançamento, “Proibido por Deus” não perdeu sua força. Pelo contrário, sua mensagem sobre a busca pela verdade em meio a narrativas construídas e sobre a contínua relevância da hipocrisia no cenário público ecoa ainda mais forte. É um lembrete vívido de que nem tudo que brilha é ouro, e que, muitas vezes, as histórias mais perturbadoras são as que se desenrolam nos bastidores de vidas aparentemente impecáveis. Se você busca um documentário que te force a confrontar verdades desconfortáveis sobre fé, poder e a natureza humana, este é um filme que você simplesmente não pode deixar de ver. Ele não te dará respostas fáceis, mas te provocará com perguntas que, talvez, precisemos fazer com mais frequência.




