Querida Alice

O silêncio, dizem, é muitas vezes a maior arma de uma relação tóxica. Ele não grita, ele sufoca. E é exatamente essa atmosfera densa, quase palpável, que me puxou para dentro de Querida Alice (Alice, Darling) e me manteve lá, sem fôlego, do início ao fim. Por que escrever sobre este filme agora, quase dois anos depois de seu lançamento original e bem depois de sua estreia no Brasil em março de 2023? Porque certas histórias, como as cicatrizes que não se veem, merecem ser revisitadas, compreendidas e, sobretudo, sentidas. Elas ficam com a gente.

Eu vejo muitos filmes, você sabe. Mas poucos conseguem despir a alma de um tema tão delicado quanto o abuso psicológico com a crueza e o respeito que Mary Nighy, em sua direção impecável, e Alanna Francis, com um roteiro que é um bisturi, alcançaram aqui. Não é uma história de vilões e vítimas em preto e branco. É a complexa tapeçaria cinzenta de como alguém se perde, fio a fio, e como o amor, mesmo que bem-intencionado, pode se tornar uma prisão dourada.

A premissa é simples, mas poderosa: Alice (Anna Kendrick), uma jovem mulher, está presa. Não em uma masmorra, mas em um relacionamento abusivo com Simon (Charlie Carrick), que, de fora, pode até parecer charmoso. Suas duas melhores amigas, Sophie (Wunmi Mosaku) e Tess (Kaniehtiio Horn), vendo Alice definhar, armam uma intervenção. O palco para essa confrontação? Uma cabana isolada à beira de um lago, um refúgio que deveria ser de paz, mas que se transforma num campo minado emocional durante a celebração do aniversário de uma delas.

E aqui, meu amigo, é onde a magia acontece. Anna Kendrick, que já nos presenteou com performances diversas, entrega uma Alice que é um estudo de caso em estresse psicológico e baixa autoestima. Não é só o que ela diz, é como ela segura o copo de água, a forma como seus olhos se desviam, a necessidade quase patológica de agradar, de prever, de se encolher para caber no mundo cada vez menor que Simon construiu para ela. Você não precisa que o filme te diga que Simon é um namorado abusivo; você vê isso em cada comentário sarcástico que ele disfarça de piada, em cada gesto de controle disfarçado de cuidado, na forma como ele mina a confiança de Alice até que ela duvide da própria sombra. É a manipulação psicológica em sua forma mais insidiosa, e o filme a desenha com uma precisão assustadora.

AtributoDetalhe
DiretoraMary Nighy
RoteiristaAlanna Francis
ProdutoresLindsay Tapscott, Christina Piovesan, Noah Segal, Katie Bird Nolan
Elenco PrincipalAnna Kendrick, Wunmi Mosaku, Kaniehtiio Horn, Charlie Carrick, Markjan Winnick
GêneroThriller, Drama, Romance
Ano de Lançamento2022
ProdutorasBabe Nation Films, Elevation Pictures, Lionsgate

As amigas, Sophie e Tess, são o coração pulsante do filme. Elas são a representação da amizade feminina em sua forma mais crua e resiliente. Quem já teve uma amiga presa em um ciclo de codependência e abuso sabe o quão frustrante, exaustivo e doloroso é tentar ajudar. Wunmi Mosaku e Kaniehtiio Horn entregam performances que espelham essa angústia, essa luta para fazer a pessoa amada enxergar a própria dor. A dinâmica entre as três é tão autêntica que você quase sente a tensão no ar, a ansiedade de tentar forçar um ponto de ruptura, de forçar a redescoberta de Alice, custe o que custar. Não é fácil de assistir, e nem deveria ser.

O roteiro de Alanna Francis tem a coragem de não apressar o processo. Ele entende que a saída de uma relação de abuso não é um estalo de dedos. É uma jornada sinuosa, cheia de recaídas, pânico e aterrorizante perda de controle. A direção de Mary Nighy, uma mulher que entende a perspectiva feminina e a complexidade dessas relações, é sensível e sem floreios, focando nos detalhes que mostram, não que contam, a desintegração e a eventual, e dolorosa, reconstrução.

Querida Alice é mais do que um drama ou um thriller psicológico; é um lembrete vívido do poder da amizade duradoura, da importância da saúde mental e de como, às vezes, a intervenção de quem nos ama pode ser o catalisador para nos tirarmos de um buraco que cavamos sem perceber. Eu saí do filme não com um sentimento de desespero, mas com uma convicção silenciosa na força da resiliência humana e na luz que as conexões verdadeiras podem trazer, mesmo nas horas mais sombrias. Se você está buscando um filme que te provoque, te faça sentir e te lembre da importância de lutar por si e pelos seus, você precisa dar uma chance a Querida Alice. Vai ser intenso, mas vai valer a pena.

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