Regra 34

Existe uma eletricidade peculiar, quase palpável, que surge quando um filme não apenas te entretém, mas te puxa para dentro de um debate que você talvez nem soubesse que precisava ter. É por isso que, mesmo dois anos depois da sua estreia em terras brasileiras, em janeiro de 2023, sinto a necessidade de revisitar Regra 34, de Julia Murat. Não é um desses filmes que a gente esquece facilmente, sabe? Ele gruda na alma, faz perguntas incômodas e, para mim, isso é a essência do que torna uma obra cinematográfica verdadeiramente relevante.

Quando pensamos em Regra 34, a primeira coisa que me vem à mente é a disjunção. A cineasta Julia Murat, junto a um time de roteiristas que inclui Rafael Lessa, Gabriel Bortolini, Roberto Winter e Gabriela Capello, ao lado dela, nos presenteia com Simone, interpretada com uma audácia magnética por Sol Miranda. Simone é, à primeira vista, o epítome da retidão moral: uma jovem defensora pública, empenhada em proteger mulheres em situações de abuso, mergulhada na crua realidade de violências diárias. Ela defende, argumenta, luta por justiça em um sistema que muitas vezes parece falhar. Mas a vida, a complexidade humana, raramente se encaixa em caixinhas arrumadinhas. E Simone não é exceção.

A narrativa de Regra 34 nos convida a espiar por uma fresta na porta da vida privada de Simone, onde seus próprios interesses sexuais a arrastam para um universo completamente distinto, um território onde erotismo e violência se entrelaçam no contexto do BDSM e, sim, como uma camgirl. Aqui, a moralidade pública de Simone se choca, se contorce e, por vezes, se complementa com seus desejos íntimos. É como se Murat nos dissesse: “Você acha que conhece essa mulher? Pense de novo.”

O que me prendeu, e imagino que a muitos outros espectadores, foi a forma como o filme se recusa a julgar Simone. Não há um dedo apontado, nem um manual de certo e errado sendo distribuído. Ao invés disso, somos convidados a observar. Vemos Simone, em uma cena, argumentando fervorosamente por uma cliente que sofreu violência; em outra, ela está em frente a uma webcam, explorando dinâmicas de poder e submissão com uma entrega que é tanto assustadora quanto profundamente humana. Sol Miranda habita Simone de uma maneira que vai além da atuação; ela é Simone. Cada tremor em sua voz, cada hesitação antes de um comando, cada olhar distante após uma sessão online, nos fala de uma mulher em busca de algo que nem ela mesma talvez consiga nomear completamente. É uma performance que te deixa desconfortável, mas ao mesmo tempo te hipnotiza, porque você se vê tentando entender a verdade por trás daquela tela, daquela pele.

AtributoDetalhe
DiretoraJulia Murat
RoteiristasRafael Lessa, Gabriel Bortolini, Julia Murat, Roberto Winter, Gabriela Capello
ProdutorasTatiana Leite, Julia Murat
Elenco PrincipalSol Miranda, Lucas Andrade, Lorena Comparato, Isabela Mariotto, Georgette Fadel
GêneroDrama
Ano de Lançamento2023
ProdutorasEsquina Filmes, Still Moving, Bubbles Project

A direção de Julia Murat é um capítulo à parte. Ela não se esquiva da crueza das cenas, da fisicalidade do BDSM, nem da vulnerabilidade exposta por Simone como camgirl. Pelo contrário, ela a abraça, mas sempre com um olhar que parece estar mais interessado na psique, nos porquês, do que no choque gratuito. A câmera, muitas vezes, age como um observador cúmplice, mas nunca voyeurista de forma barata. Ela nos permite ver o que precisa ser visto para compreendermos a jornada de Simone, sem glorificar ou demonizar. As produtoras Tatiana Leite e a própria Julia Murat, através da Esquina Filmes, Still Moving e Bubbles Project, conseguiram criar um ambiente onde essa exploração audaciosa pudesse florescer.

E os coadjuvantes? Lucas Andrade, como Joaquim/Coyote, oferece um contraponto interessante à intensidade de Simone, enquanto Lorena Comparato (Lucia), Isabela Mariotto (Natalia) e Georgette Fadel (Professora 3) adicionam camadas ao universo feminino ao redor da protagonista, cada uma com suas próprias contribuições, seus olhares, suas opiniões sobre o mundo e sobre Simone. Eles não são meros figurantes; são espelhos, às vezes distorcidos, às vezes límpidos, da complexidade que Simone tenta navegar.

Regra 34 não é um filme fácil de digerir. Ele nos obriga a confrontar nossos próprios preconceitos sobre sexualidade, poder, feminismo e a linha tênue entre consensual e abusivo. Pergunta-nos se a busca por liberdade e controle no universo privado pode coexistir com a defesa dessas mesmas liberdades e o combate ao abuso no domínio público. É uma experiência que desafia as classificações simplistas e nos faz questionar: o que realmente significa ser livre? E o que, afinal, é essa “regra 34” da vida de Simone? Será que ela está encontrando ali uma forma de se reerguer, de se empoderar, ou de se perder ainda mais em um labirinto de desejos?

Ainda hoje, quase dois anos depois que pisei na sala de cinema e me deixei ser engolido por esse drama potente, as imagens e as questões de Regra 34 ecoam. É uma obra que demonstra a força do cinema brasileiro em abordar temas espinhosos com profundidade, coragem e, acima de tudo, uma humanidade inquestionável. Não é um filme para assistir distraidamente; é para sentir, para pensar e, talvez, para nos fazer olhar um pouco mais de perto para as nossas próprias contradições. E para mim, é exatamente isso que o torna tão inesquecível.

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