Sabe, você já parou para pensar em como alguns filmes, mesmo anos após seu lançamento, permanecem em nossa mente, não por grandes explosões ou reviravoltas mirabolantes, mas pela alma de seus personagens? É exatamente isso que acontece comigo quando penso em “Roman J. Israel, Esq.”. Lançado em 2017 e chegando por aqui no Brasil em março de 2018, este drama, com toques de crime e thriller, dirigido e roteirizado por Dan Gilroy, não é apenas mais um filme sobre advogados. Ah, não, ele é muito mais do que isso.
Para ser bem sincero, minha motivação para revisitá-lo hoje, quase oito anos depois de sua estreia original, vem daquela sensação persistente de que certas histórias merecem ser desenterradas, discutidas e sentidas novamente. E a história de Roman J. Israel é uma dessas.
Desde o primeiro momento, Roman nos é apresentado como um anacronismo ambulante. Um advogado brilhante, mas teimosamente preso aos seus ideais de direitos civis, à sua pasta de couro abarrotada de anotações manuscritas e a um senso de justiça que parece ter saído de outra época. Ele é o tipo de pessoa que, enquanto o mundo dos escritórios de advocacia de Los Angeles gira em torno de lucros e poder, ainda acredita que o sistema pode, e deve, servir aos menos favorecidos. Mas essa crença, essa pureza, cobra seu preço. Vê-lo lutar para que seu trabalho seja reconhecido, para que suas ideias floresçam enquanto outros colhem os louros, é quase doloroso. Você percebe o peso em seus ombros, a fadiga mental de quem constantemente vê a balança da justiça pender para o lado errado.
E aí, como um balde de água fria em um dia quente, a vida de Roman vira de cabeça para baixo. A morte súbita de seu mentor e sócio o força a sair da sua zona de conforto e a assumir um papel mais proeminente, e é nesse turbilhão que ele se depara com a imundície que permeia os bastidores do poder jurídico. Um esquema dos mais sujos, uma teia de interesses que ameaça não apenas sua carreira, mas a própria essência daquilo em que ele acredita. Aquele que antes era o observador silencioso, o cérebro por trás dos panos, agora se vê no centro de um furacão, onde a linha entre o certo e o errado se torna assustadoramente tênue.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Dan Gilroy |
Roteirista | Dan Gilroy |
Produtores | Jennifer Fox, Denzel Washington, Todd Black |
Elenco Principal | Denzel Washington, Colin Farrell, Carmen Ejogo, Lynda Gravatt, Amanda Warren |
Gênero | Drama, Crime, Thriller |
Ano de Lançamento | 2017 |
Produtoras | Culture China – Image Nation Abu Dhabi Fund, Cross Creek Pictures, Bron Studios, Escape Artists, Image Nation Abu Dhabi, MACRO, Topic Studios, Columbia Pictures |
E quem poderia encarnar essa complexidade, essa figura quase shakespeariana de integridade e tormento, senão Denzel Washington? Meu caro, ver Denzel em cena é sempre um evento, mas em “Roman J. Israel, Esq.”, ele se supera de uma forma que me faz pensar que a Academia deveria ter lhe dado todos os prêmios daquele ano. Ele não interpreta Roman; ele se torna Roman. A forma como ele segura sua pasta, o andar arrastado, o olhar por trás dos óculos, a maneira como a raiva e a frustração borbulham sob uma superfície de placidez… é algo a ser estudado. É uma aula de atuação, que eleva o filme a um patamar que, sem ele, talvez não alcançasse. O crítico que disse que o filme “seria muito pior sem Washington” capturou a essência: Denzel não é apenas o protagonista; ele é o pulso, o coração e a mente desta obra.
Ao lado de Denzel, temos Colin Farrell como George Pierce, o executivo charmoso e pragmático que se vê na posição de mentor de Roman, mas que também representa o lado mais cínico do sistema. E Carmen Ejogo como Maya Alston, uma ativista que, de alguma forma, reaviva a chama da paixão de Roman pelos direitos civis. Eles não são meros coadjuvantes; são espelhos que refletem as diferentes facetas do dilema moral de Roman. A dinâmica entre esses personagens, muitas vezes em diálogos que parecem mais um duelo de ideologias em um tribunal, é fascinante.
Dan Gilroy, no roteiro e na direção, consegue nos imergir no universo dos tribunais e escritórios de Los Angeles, um cenário que, em vez de glamouroso, parece pesado e claustrofóbico. Ele não tem medo de explorar as ambiguidades, as zonas cinzentas da lei e da ética. Não é uma história de heróis e vilões caricatos, mas de pessoas imperfeitas fazendo escolhas difíceis. Ele nos força a questionar: até que ponto nossos ideais podem sobreviver em um mundo que parece determinado a nos corromper? Até que ponto podemos sacrificar nossa bússola moral em nome de uma “vitória”?
Os produtores, incluindo o próprio Denzel Washington, junto com Jennifer Fox e Todd Black, e as diversas produtoras como Culture China – Image Nation Abu Dhabi Fund e Columbia Pictures, investiram em uma história que, em sua essência, é um estudo de personagem, um mergulho profundo na psique de um homem à beira de um colapso. Eles criaram um filme que não se limita a te entreter; ele te provoca, te faz pensar, e te deixa com um gosto agridoce na boca.
“Roman J. Israel, Esq.” é um filme que, com sua atmosfera densa e sua narrativa focada nas escolhas morais, te convida a um debate interno. É sobre a luta pela justiça, sim, mas também sobre a luta de um homem contra si mesmo, contra a desilusão e a tentação. É um drama psicológico disfarçado de thriller jurídico, e é por isso que, mesmo anos depois, ele continua a me assombrar, me fazendo refletir sobre o que realmente significa defender aquilo em que acreditamos. É um daqueles filmes que, de vez em quando, a gente precisa rever, só para nos lembrarmos do poder do cinema em nos fazer sentir humanos.