Existe uma categoria de filmes que, de tempos em tempos, me fisga de uma maneira quase inexplicável. Não são os épicos grandiosos, nem os dramas que te fazem questionar a existência. São aqueles que, com um charme inegável e um coração do tamanho do mundo, nos lembram da beleza singela de sonhar. E por que eu resolvi sentar para escrever sobre Sra. Harris Vai a Paris hoje, em pleno 2025? Bom, a verdade é que o filme, lançado originalmente em 2022, continua a ressoar em mim como um eco suave e persistente de esperança. É como aquele perfume esquecido que você encontra em uma gaveta antiga e, ao senti-lo, é transportado para outro tempo, outro sentimento.
A premissa, para quem ainda não embarcou nessa viagem, é deliciosa em sua simplicidade: Ada Harris (uma impecável Lesley Manville), uma faxineira viúva na Londres dos anos 50, se vê tomada por uma paixão avassaladora por um vestido de alta costura da Dior. Não é um capricho fútil; é quase uma epifania. Uma peça de arte em tecido que promete elevar seu espírito, transcender a sujeira e a poeira de seu dia a dia. E é por essa obsessão, essa chama que se acende em seu coração, que ela decide cruzar o Canal da Mancha e ir a Paris.
Essa jornada, para mim, não é apenas sobre um vestido. É sobre a coragem de uma mulher comum que, apesar das adversidades – e acreditem, a vida de uma faxineira pós-guerra não era feita de facilidades – ousa perseguir um luxo que, em tese, não lhe pertence. É sobre aquela voz interna que sussurra que merecemos mais, que podemos almejar a beleza, independentemente do nosso extrato social ou da nossa idade. Quantos de nós já não sentimos esse mesmo impulso, essa vontade de alcançar algo que parece estar além do nosso toque, do nosso orçamento? Sra. Harris Vai a Paris captura isso com uma doçura e uma resiliência que são difíceis de ignorar.
O grande trunfo do filme, e aqui ecoo a sabedoria de Peter McGinn e CinemaSerf, é Lesley Manville. Não sei se a história teria o mesmo calor, o mesmo impacto quase terapêutico, sem a sua Ada Harris. Ela não interpreta a personagem; ela é Ada Harris. Seus olhos, que transbordam uma mistura de cansaço e uma bondade inabalável, revelam a profundidade de uma vida vivida, de perdas e de pequenas alegrias. O jeito como ela segura o tecido do Dior, quase reverentemente, ou como ela se porta com uma dignidade intrínseca mesmo diante do esnobismo parisiense, é de uma autenticidade que te prende do primeiro ao último minuto. Ela é a vizinha que sempre te oferece um chá, a avó que tem as melhores histórias, e a heroína improvável que todos torcemos para ver triunfar.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Anthony Fabian |
Roteiristas | Carroll Cartwright, Keith Thompson, Olivia Hetreed, Anthony Fabian |
Produtores | Anthony Fabian, Xavier Marchand, Guillaume Benski |
Elenco Principal | Lesley Manville, Isabelle Huppert, Lambert Wilson, Alba Baptista, Lucas Bravo, Ellen Thomas, Rose Williams, Jason Isaacs, Anna Chancellor, Roxane Duran |
Gênero | Drama, Comédia, História |
Ano de Lançamento | 2022 |
Produtoras | Superbe Films, Hero Squared, Elysian Films, uMedia, Moonriver TV, National Film Institute Hungary, Entertainment One Features |
Quando Ada finalmente chega a Paris, o filme se transforma em um festival visual. A cidade-luz dos anos 50 é um personagem à parte, e a Maison Dior, em seu esplendor um tanto quanto assustador, é o palco para o choque cultural e de classes. Isabelle Huppert, como Claudine Colbert, a diretora da Dior, entrega uma performance primorosa de rigidez e ceticismo que, aos poucos, é corroída pela simplicidade e pela bondade de Ada. Huppert, com sua elegância gélida, é o contraponto perfeito para o calor humano de Manville. E é nesse embate silencioso, mas poderoso, que o filme encontra sua complexidade. Não é uma história de bem contra o mal, mas de duas mundos que se tocam, se arranham e, de alguma forma, se enriquecem.
Anthony Fabian, o diretor e um dos roteiristas, junto à equipe de Carroll Cartwright, Keith Thompson e Olivia Hetreed, costura essa narrativa com uma delicadeza que honra tanto a fonte literária quanto o espírito da época. O roteiro não se apressa, permitindo que os personagens respirem, que suas motivações sejam compreendidas. A maneira como a presença de Ada começa a desdobrar os dramas e os amores dos funcionários da Dior — a jovem modelo Natasha (Alba Baptista) e o diretor André Fauvel (Lucas Bravo) — mostra que o impacto dela vai muito além de seu próprio sonho. Ela se torna um catalisador de mudanças, um sopro de ar fresco em um ambiente que, apesar de deslumbrante, corria o risco de se tornar hermético e distante da realidade.
E não posso deixar de mencionar a riqueza dos pequenos detalhes que Sra. Harris Vai a Paris nos oferece: os tons pastéis e vibrantes do figurino, a reconstrução meticulosa da Paris e Londres dos anos 50, a trilha sonora que nos embala com um charme quase nostálgico. Tudo isso contribui para uma experiência imersiva que te faz querer esticar a mão e tocar os tecidos, sentir o cheiro das flores, passear pelas ruas. É uma história que, sim, tem seus momentos de comédia leve, mas que também carrega um peso dramático sutil, uma mensagem sobre perseverança e sobre a capacidade humana de encontrar beleza e propósito nos lugares mais inesperados.
Ao final, o que me resta de Sra. Harris Vai a Paris é a sensação aconchegante de ter testemunhado algo genuíno. É um filme que não se propõe a revolucionar o cinema, mas que cumpre com maestria sua missão de nos entreter, nos emocionar e, talvez, nos inspirar a olhar para aquele nosso próprio “vestido dos sonhos”, seja ele qual for, e perguntar: e se eu for atrás dele? Talvez, como Ada, a gente descubra que a viagem é tão ou mais transformadora que o destino. E, no fim das contas, não é isso que buscamos na vida? Um pouco mais de magia, um pouco mais de coragem, e um toque de alta costura no nosso dia a dia.