Sabe, há filmes que a gente simplesmente sente. Não é só a história que se desenrola na tela, mas a forma como ela se entranha na nossa memória afetiva, moldando uma parte do que entendemos por heroísmo, por esperança, por grandiosidade. E se me perguntarem sobre uma obra que encapsula essa sensação de maneira quase perfeita, meu pensamento voa direto para Superman: O Filme, lançado em 1978 e um marco indelével na tapeçaria do cinema de super-heróis. Escrevo sobre ele hoje, neste 30 de setembro de 2025, não apenas porque é uma peça fundamental na história da cultura pop, mas porque, mesmo décadas depois, sua essência ainda ressoa com uma potência que poucos conseguem replicar.
A gente já conhece a lenda, não é? Aquele prenúncio sombrio em Krypton, com Jor-El, na pele majestosa de Marlon Brando, alertando um governo cético sobre a iminente catástrofe. A decisão desesperada, mas cheia de amor, de enviar seu filho para um mundo distante, um planeta azul chamado Terra, onde os raios de um sol amarelo o transformariam em algo extraordinário. E é aí que a magia começa. O bebê Kal-El chega ao coração do meio-oeste americano, cresce como Clark Kent, um jovem que aprende a equilibrar a vida rural com a consciência de um poder que mal pode ser contido.
O que me pega de verdade neste filme não é só a mitologia, mas como Richard Donner, o diretor, conseguiu aterrar uma fantasia tão colossal em uma realidade palatável. Não é um filme que se leva tão a sério a ponto de ser maçante, nem tão brincalhão que desmereça sua própria gravidade. É um balé delicado entre a maravilha da ficção científica e a sinceridade de uma história de formação. E essa balança, essa ambiguidade sutil, é o que o torna tão humano, tão cativante.
E Christopher Reeve. Ah, Christopher Reeve. Ele não apenas interpretou Clark Kent e Superman, ele os encarnou. Você vê a transição acontecer diante dos seus olhos, e é uma performance que beira o milagre. Como Clark, ele é o epítome do desajeitado, o repórter tímido, quase invisível, que anda com os ombros curvados e o cabelo caindo nos olhos, um mestre da “identidade secreta” antes que essa frase virasse clichê. Mas quando ele desabotoa a camisa, e aquele “S” glorioso surge, a postura muda, o peito estufa, o olhar ganha um foco inabalável, e ele se torna o Símbolo. É uma transformação física e emocional tão completa que te faz acreditar, genuinamente, que um homem pode voar. A química dele com Margot Kidder, a Lois Lane, então? É eletrizante. Ela é cínica, ambiciosa, mas com um coração enorme e uma fragilidade bem escondida. A Lois de Kidder é o contraponto perfeito para a pureza de Superman, e as suas interações, sejam elas desastradas com Clark ou flertando nas alturas com Superman, são o coração pulsante do filme.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Richard Donner |
Roteiristas | Robert Benton, Mario Puzo, David Newman, Leslie Newman, Tom Mankiewicz |
Produtor | Pierre Spengler |
Elenco Principal | Christopher Reeve, Margot Kidder, Gene Hackman, Marlon Brando, Ned Beatty, Jackie Cooper, Glenn Ford, Trevor Howard, Jack O'Halloran, Valerie Perrine |
Gênero | Ficção científica, Ação, Aventura |
Ano de Lançamento | 1978 |
Produtoras | Dovemead Films, Alexander and Ilya Salkind Productions, International Film Production |
Mas nem tudo são corações voando e salvamentos heroicos. Porque, claro, onde há luz, há sombra. E a sombra aqui atende pelo nome de Lex Luthor, interpretado com uma genialidade irônica por Gene Hackman. Ele não é o vilão megalomaníaco que berra e gesticula; ele é um gênio do mal, sim, mas com um toque de vaidade e uma dose saudável de humor ácido. Suas interações com seus capangas, Otis (Ned Beatty, impagável) e Eve Teschmacher (Valerie Perrine, que nos deu uma das falas mais memoráveis do cinema: “_”Miss Teschmacher!”_”), são a prova de que um super-herói sério pode ter um vilão levemente ridículo sem que o filme perca sua credibilidade. É essa complexidade, essa nuance, que evita o “preto no branco” e nos lembra que, mesmo no mundo dos super-heróis, a vida real encontra seu caminho. Lex, descontente com o surgimento desse “intrometido” vindo do espaço, arma um plano que não visa apenas roubar um banco, mas redefinir a geografia dos Estados Unidos com mísseis nucleares, forçando Superman a se desdobrar de formas inimagináveis para evitar a morte de milhões.
A equipe de roteiristas, com nomes como Mario Puzo (sim, o de “O Poderoso Chefão”!) e o toque de Tom Mankiewicz, conseguiu tecer uma narrativa que é ao mesmo tempo épica e íntima. A gente acompanha Clark em seu trabalho como jornalista no Planeta Diário, as conversas afiadas com Perry White (Jackie Cooper), a vida pacata com seus pais adotivos, Ma e Pa Kent (Glenn Ford, em uma atuação tão calorosa que irradia). E então, de repente, o mundo se alarga para galáxias distantes, para o Polo Norte onde reside a Fortaleza da Solidão, para a ameaça de mísseis nucleares. O ritmo flui de maneira orgânica, alternando momentos de tranquilidade com explosões de ação e emoção.
Superman: O Filme foi um fenômeno de seu tempo, um testamento do que a ficção científica, a ação e a aventura poderiam alcançar no final dos anos 70. Lançado originalmente em dezembro de 1978 e chegando ao Brasil em abril de 1979, ele não foi apenas um filme; foi uma declaração. Como John Chard tão bem descreveu, é um “Man of Steel – Film Full of Love”. Ele nos lembra que, por trás dos superpoderes e das identidades secretas, há uma história de amor – amor por um filho, amor por um planeta, amor pela humanidade. E é essa dose de humanidade e paixão que, até hoje, nos faz olhar para o céu e, por um instante, imaginar que talvez, só talvez, exista alguém lá em cima, de capa vermelha, pronto para nos salvar o dia. E, cá entre nós, nesses tempos complicados, um pouco dessa esperança e daquela sensação de que “você acredita que um homem pode voar” é algo que a gente sempre, sempre vai precisar.