Deixe-me começar com uma confissão: existem certas histórias que nos encontram em momentos específicos da vida e, por algum motivo inexplicável, parecem ter sido feitas sob medida para o que precisamos refletir. Para mim, “To Your Eternity” (Fumetsu no Anata e, no original) é uma dessas raras joias que não apenas assistimos, mas que sentimos, que nos arrastam para dentro de um turbilhão de emoções e nos deixam transformados, talvez só um pouquinho, no final. Por que escrever sobre isso? Porque é uma daquelas obras que rasga o véu do entretenimento superficial e toca na própria essência do que significa existir, de uma forma tão crua e bela que seria um crime não tentar compartilhar a experiência.
Imagina só: você, leitor, nasce como uma orbe. Sem forma, sem memória, sem absolutamente nada. Sua única função é observar, absorver, aprender e… renascer. É assim que Fushi, o protagonista da nossa história, começa sua jornada. Uma orbe lançada em um mundo vasto e desconhecido, que molda sua existência a partir do que encontra. Primeiro, uma rocha. Sem vida, imóvel, mas presente. Depois, um lobo branco, com seus instintos selvagens e a capacidade de sentir a dor da solidão. E então, um garoto. Um ser que se parece conosco, mas que carrega a inocência de um recém-nascido e a imortalidade de um deus.
Essa premissa já é um convite para uma viagem filosófica, não é? “To Your Eternity” é uma dessas séries que desafia o nosso entendimento sobre o ciclo da vida e da morte, e como a experiência humana molda não só o corpo, mas a alma. A voz de Reiji Kawashima para Fushi, especialmente nas fases iniciais onde ele mal consegue articular palavras, é um trabalho de sensibilidade impressionante. A forma como cada som, cada murmúrio, transmite uma avalanche de novas sensações e compreensões é algo que poucas atuações conseguem alcançar. E então temos Aquele que Observa, com a voz marcante de Kenjiro Tsuda, agindo como um guia enigmático, um narrador onipresente que nos lembra da singularidade e da inevitabilidade da jornada de Fushi. Ele não é apenas um narrador; ele é a própria personificação do propósito, um farol constante que Fushi tenta, muitas vezes sem sucesso, desvendar.
O que acontece quando essa orbe, essa consciência primordial, entra em contato com a bondade humana? É aí que a série desabrocha. Fushi, como o garoto, é uma tela em branco. Ele não conhece a dor da perda até que a sente, e não compreende a alegria da conexão até que a vivencia. Cada pessoa que Fushi encontra em seu caminho é um pedaço do quebra-cabeça da humanidade que ele precisa montar. Desde o garoto solitário na tundra, que lhe ensina sobre a esperança e o sacrifício, até as figuras mais complexas que surgem em arcos posteriores, cada adeus é uma facada no coração, não apenas de Fushi, mas do espectador.
Atributo | Detalhe |
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Elenco Principal | Reiji Kawashima, Kenjiro Tsuda, Tomori Kusunoki, Megumi Han, Yumiri Hanamori, 内田彩, 落合福嗣, 沢城千春, 古賀葵, 樫井笙人 |
Gênero | Animação, Action & Adventure, Sci-Fi & Fantasy |
Ano de Lançamento | 2021 |
Produtoras | Brain's Base, NHK Enterprises, NHK, Drive |
Não se engane, isso não é apenas uma meditação existencial pacífica. O mundo de Fushi é implacável. Os Nokker, criaturas inexplicáveis e destrutivas, são a antítese da vida e da evolução que Fushi representa. Eles são uma ameaça constante, uma metáfora para as adversidades que nos impedem de progredir, forçando Fushi a lutar não apenas pela sua própria sobrevivência, mas pela sobrevivência da memória daqueles que amou. As sequências de ação, embora não sejam o foco principal, são visceralmente impactantes, animadas com uma fluidez que honra o trabalho das produtoras Brain’s Base e Drive, que nos entregam visuais que são tanto grandiosos quanto delicadamente detalhados. A forma como Fushi adapta suas habilidades, usando as formas que absorveu, para combater esses seres, é uma prova constante de sua evolução e resiliência.
É impossível não se envolver emocionalmente. A série não tem medo de nos fazer chorar, de nos fazer questionar o porquê de certas coisas acontecerem. A cada “despedida cruel”, como bem menciona a sinopse, senti um nó na garganta, uma pontada de reconhecimento de que a vida, por mais longa que seja, é feita de encontros e desencontros, de perdas que nos moldam. É nesse ponto que a crítica de Lutist, ao mencionar que a obra “toca em temas pessoais e subjetivos, tornando-a mais difícil de classificar”, se torna tão pertinente. Porque, de fato, ela nos força a olhar para dentro, para o significado da nossa própria vida, para o propósito da nossa própria existência e para o inevitável fim que nos espera.
Fushi é um espelho. Em sua jornada de orbe a humano, ele reflete a nossa própria. Nascemos sem saber nada e passamos a vida aprendendo, errando, amando e perdendo. A diferença é que ele tem a eternidade para aprender, enquanto nós, meros mortais, temos um tempo finito. E talvez seja essa finitude que torna cada conexão tão preciosa, cada momento tão valioso. “To Your Eternity” não é apenas uma série; é um lembrete pulsante da beleza, da fragilidade e da resiliência do espírito humano, encapsulada na odisséia de um ser imortal que aprendeu a viver, e a amar, através dos olhos dos que se foram. E por isso, é uma história que permanecerá comigo por muito tempo.