Ah, Um Fantasma na Batalha… Falar desse filme é como desenterrar uma memória que nem sabia que carregava, mas que, uma vez revelada, te assombra com uma clareza perturbadora. Desde o primeiro vislumbre do trailer, algo me puxou para essa história. Talvez seja a intriga inerente a um bom thriller político, um gênero que, convenhamos, muitas vezes se perde em didatismos ou em clichês de ação. Mas aqui, eu senti algo diferente, uma promessa de mergulho no abismo da identidade e do sacrifício, e, olha, o filme entrega muito mais do que promete.
O coração pulsante de Um Fantasma na Batalha é Amalia, e com ela, o abismo. Susana Abaitua encarna essa jovem oficial com uma intensidade que transcende a atuação; ela se torna o vazio, a casca que Amalia se permite ser. Imagine só: você abandona quem é, cada traço da sua vida, cada pedacinho da sua história, para se disfarçar. Não por um dia, não por um mês, mas por mais de uma década. Amalia se infiltra nas sombras do ETA, na França, caçando terroristas. Mas a caça, de repente, se volta para ela mesma. Onde termina Amalia, a oficial, e começa Begoña, a integrante do grupo? Essa é a pergunta que Díaz Yanes nos força a encarar, não com palavras, mas com o silêncio atormentado nos olhos de Abaitua.
É um paradoxo brutal: para encontrar os inimigos, ela precisa se tornar um deles, ou pelo menos viver entre eles, respirar o mesmo ar, compartilhar as mesmas refeições. E o filme te faz sentir o peso dessa fachada. Amalia não treme, não vacila na frente dos outros, mas vemos as microexpressões, as pausas antes de uma resposta, a forma como ela se isola nos momentos de solitude. A atuação de Abaitua é um balé de contenção e explosão interior, cada gesto, cada olhar, revelando a alma que se desintegra lentamente sob o verniz da personagem que ela criou. Ela não está apenas disfarçada; ela está, de fato, se transformando em um fantasma, uma sombra que existe entre dois mundos, pertencendo a nenhum.
E como Agustín Díaz Yanes, tanto na direção quanto no roteiro, orquestra essa desumanização? De uma forma que é ao mesmo tempo bela e dolorosa. Ele não nos joga em cenas de ação frenética; ao invés disso, a tensão se constrói no ar rarefeito dos esconderijos, nos diálogos sussurrados, nos olhares desconfiados que Amalia precisa desviar. O ritmo é deliberadamente cadenciado, permitindo que a atmosfera de paranoia se instale, que a claustrofobia da vida dupla sufocante de Amalia se torne quase palpável. É um estudo de personagem que se disfarça de thriller, e vice-versa.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Agustín Díaz Yanes |
Roteirista | Agustín Díaz Yanes |
Produtores | Belén Atienza, Sandra Hermida, J. A. Bayona |
Elenco Principal | Susana Abaitua, Andrés Gertrúdix, Iraia Elias, Raúl Arévalo, Ariadna Gil |
Gênero | Drama, Thriller |
Ano de Lançamento | 2025 |
Produtora | Basoilarraren Filmak |
O elenco de apoio, ah, o elenco de apoio… Eles não são meros coadjuvantes; são os pilares que sustentam a frágil sanidade de Amalia, ou os espelhos que refletem sua transformação. Andrés Gertrúdix, como o Tenente Coronel Castro, é a bússola moral (ou amoral?) que a guia do outro lado do fio, uma voz que tenta manter Amalia conectada ao seu propósito original, mesmo que a conexão esteja cada vez mais tênue. Iraia Elias, como a Begoña “real” (a integrante do ETA), oferece um contraponto fascinante, uma imagem distorcida do que Amalia pretende ser. E Raúl Arévalo, interpretando Zorion, traz uma humanidade complexa ao lado “inimigo”, um lembrete sutil de que, em guerras ideológicas, as pessoas são raramente apenas “boas” ou “más”. Ariadna Gil, como Soledad Ipaguirre, adiciona uma camada de complexidade e maturidade à narrativa, mostrando as cicatrizes duradouras de conflitos prolongados. Suas interações são um jogo de xadrez psicológico onde cada palavra, cada silêncio, tem peso.
A produção, com Belén Atienza, Sandra Hermida e o toque de J. A. Bayona, da Basoilarraren Filmak, é impecável. É visível o cuidado em criar um mundo crível, que não glorifica o terrorismo nem simplifica o combate a ele, mas explora a zona cinzenta, a realidade brutal e as consequências psicológicas em todos os envolvidos. O uso da fotografia, muitas vezes em tons frios e sombras profundas, realça a sensação de isolamento e o desespero crescente de Amalia. Cada enquadramento parece querer nos dizer algo sobre a fragmentação da identidade.
Um Fantasma na Batalha não te entrega respostas fáceis, e é isso que o torna tão poderoso. Ele te força a questionar os limites da lealdade, o custo da verdade e o que acontece quando a linha entre o eu e o “outro” desaparece completamente. Para mim, é um lembrete sombrio e belíssimo de que algumas batalhas são travadas não em campos abertos, mas nos corredores silenciosos da mente humana, e que as maiores cicatrizes são aquelas que ninguém vê. É um filme que, mesmo depois de os créditos rolarem, permanece com você, um eco fantasmagórico que ressoa, te fazendo pensar: o que Amalia encontrou nos esconderijos terroristas? E o que ela perdeu de si mesma para encontrá-los? Essa é uma pergunta que cada um de nós terá que responder, muito depois de a tela escurecer.