Un Simple Accident

Há certos diretores cujas obras não apenas vemos, mas sentimos na pele, quase como um diário íntimo de resistência. Jafar Panahi é, para mim, um desses pilares. Por isso, quando tive a chance de assistir Un Simple Accident em uma exibição especial, bem antes de sua estreia oficial em dezembro aqui no Brasil, meu coração já batia num ritmo diferente. Não era só a curiosidade de um crítico, era a esperança de um cinéfilo por mais uma voz que se recusa a ser silenciada.

A trama, aparentemente simples, é um mergulho em águas turvas. Imagine a cena: a escuridão da estrada, um homem, Eghbal, com sua esposa grávida, Shiva, no banco do carona. Um vulto repentino, o impacto surdo, a culpa que gela a espinha. Não é apenas um cachorro; é o motor do carro, a viagem interrompida, e um fio de pavor que começa a se tecer. É um acidente, sim, mas a partir dali, você percebe que a verdadeira colisão ainda está por vir.

E é nesse ponto que entramos no mundo sombrio de Vahid. Sua garagem, um refúgio de máquinas quebradas e silêncio pesado, se torna o palco de um reconhecimento assustador. O olhar de Vahid, interpretado com uma intensidade silenciosa por Vahid Mobasseri, não apenas vê Eghbal, mas o rasga, o destrói, o reconstrói na memória. Ele vê não só o motorista, mas o torturador, o carrasco que desmantelou sua vida na prisão.

Panahi, com a maestria que só ele possui, transforma essa premissa em um thriller psicológico que respira lento, mas sufoca rápido. Não há fugas espetaculares ou tiroteios incessantes, mas uma tensão crescente, um jogo de gato e rato onde as armas são as palavras não ditas, os olhares carregados e as cicatrizes invisíveis que cada um carrega na alma. O título, Un Simple Accident, ecoa com uma ironia amarga. Porque, para Vahid, aquilo não é um simples acaso. É um acerto de contas que o destino, ou algo muito mais sinistro, parece ter orquestrado. É um reencontro que desenterra traumas, colocando a ideia de justiça e vingança num caldeirão de emoções brutas, onde os limites morais são testados até o limite.

AtributoDetalhe
DiretorJafar Panahi
RoteiristaJafar Panahi
ProdutoresJafar Panahi, Philippe Martin
Elenco PrincipalVahid Mobasseri, Mariam Afshari, Ebrahim Azizi, Hadis Pakbaten, Majid Panahi
GêneroDrama, Thriller, Crime
Ano de Lançamento2025
ProdutorasJafar Panahi Productions, Les Films Pelléas, Bidibul Productions, Pio & Co, ARTE France Cinéma

Vahid Mobasseri encarna Vahid com uma profundidade que chega a ser dolorosa. Seus olhos são um poço de mágoa e um farol de uma possível retaliação. Você sente o peso da memória em cada movimento contido, em cada palavra sopesada antes de ser proferida. É uma atuação que nos faz questionar: como você reagiria se o fantasma do seu passado mais cruel surgisse na sua frente, indefeso? Ebrahim Azizi, como Eghbal, é um espelho dessa tensão. Sua confusão inicial dá lugar a um medo palpável, à medida que a verdade se desdobra – ou a possibilidade dela. A forma como sua postura muda, as mãos que talvez comecem a tremer, revelam mais sobre sua alma do que qualquer monólogo.

As mulheres do filme, Shiva (Mariam Afshari) e Golrokh (Hadis Pakbaten), não são meras coadjuvantes. Elas são a bússola moral, a voz da razão ou, por vezes, o combustível involuntário para o dilema que se desenrola. A gravidez de Shiva, por exemplo, é um lembrete constante da inocência em jogo, do futuro que pode ser desfeito por acertos de contas passados, injetando uma camada extra de desespero e urgência à narrativa. E não podemos esquecer de Ali, interpretado por Majid Panahi, cuja presença adiciona outra dimensão humana e de apoio (ou falta dele) a esse cenário claustrofóbico.

Tá vendo como Panahi é mestre nisso? Ele não precisa de grandes cenários ou efeitos especiais para nos prender. Apenas um espaço confinado, personagens complexos e um segredo que pesa uma tonelada. Jafar Panahi, novamente assumindo a dupla função de diretor e roteirista, orquestra essa sinfonia de angústia com uma precisão cirúrgica. Ele não nos dá respostas fáceis, nem traça linhas claras entre o certo e o errado. Pelo contrário, nos força a habitar a ambiguidade, a sentir o desconforto de um universo onde a justiça é um conceito elusivo e a vingança, uma tentação quase irresistível. Sua câmera, quase como um observador silencioso e onipresente, nos coloca bem no centro do confronto, transformando a pequena garagem em um palco para uma tragédia pessoal. Cada enquadramento, cada pausa no diálogo, parece carregado de um subtexto que ressoa com sua própria jornada de resistência como artista.

É um soco no estômago, mas também um convite à reflexão profunda. Ao sair da sala, ou melhor, ao me levantar do sofá após a projeção, fiquei ali, em silêncio, processando. A história de Vahid e Eghbal, com toda a sua carga de dor e possibilidades, é um espelho desconfortável para a nossa própria humanidade. É uma prova que o cinema, o bom cinema, pode ser um ato de coragem, uma forma de protesto e, acima de tudo, uma janela para as profundezas mais sombrias e complexas da alma humana. Como a crítica que li, “It Was Just an Accident is a testament to the unwavering courage of Jafar Panahi, a filmmaker who refuses to be silenced. It’s a brave protest executed as a psychol…” — e eu não poderia concordar mais.

Em um mundo onde a justiça muitas vezes tarda ou falha, como você acha que Panahi nos convida a pensar sobre o legado do trauma e a possibilidade de perdão ou retribuição? Deixe sua perspectiva nos comentários!

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