Variações

Sabe, há filmes que a gente vê e gosta, e há filmes que a gente sente, que teimam em morar na memória, como uma canção que não sai da cabeça. E, olha, quando penso em Variações, lançado lá em 2019, é exatamente essa a sensação. Cinco anos se passaram desde que essa biografia musical pintou nas telas, e ainda hoje, 17 de outubro de 2025, eu me pego revisitando cenas, ouvindo de novo a voz arrastada e cheia de alma do António, ou apenas pensando na coragem que foi existir como ele existiu. Minha motivação para escrever sobre isso agora? É que certas obras transcendem o tempo do lançamento. Elas falam algo fundamental sobre quem somos, sobre a busca pela autenticidade, e Variações é uma delas.

Não é um filme que se encaixa fácil numa caixinha. É música, claro, é história, e drama puro. Mas é, acima de tudo, um retrato vibrante de um ser humano que se recusou a ser menos do que era, num Portugal que, vamos ser sinceros, nem sempre estava pronto para tanta cor e tanta verdade. Lembro-me da primeira vez que o vi, saí do cinema com um nó na garganta e uma energia quase elétrica no peito, como se o espírito do António tivesse pulado da tela e se alojado em mim por umas horas. É um filme que te agarra pela gola e diz: “Olha só o que é viver de verdade.”

E muito dessa vivacidade, tá, devemos a Sérgio Praia. Puxa vida, que performance! Não é uma imitação, sabe? É uma encarnação. Desde o gingado desajeitado, a forma como ele segurava o microfone, os olhares de desafio e de doçura, até aquela voz que conseguia ser áspera e melódica ao mesmo tempo – Sérgio Praia não interpretou António Variações; ele foi Variações. Você via o artista gay, o filho da terra de Amares, o barbeiro-cantor, o homem que queria ser uma estrela, tudo ali, nos trejeitos mínimos, nas pausas pensadas. Era como se, por umas duas horas, o Variações tivesse voltado a caminhar entre nós, respirando fundo e soltando o ar em canções que, ah, essas sim, são atemporais. Aquele olhar de Praia, meio sedutor, meio assustado, capturava a contradição do António: um homem que ansiava por ser visto e amado, mas que carregava o fardo da sua diferença em cada passo.

A beleza do filme de João Maia, que também co-escreveu o roteiro com Karen Sztajnberg, está exatamente em não pintar um santo, nem um demônio, mas um homem complexo. A vida de António Variações, um dos nossos maiores artistas, foi uma tapeçaria de cores fortes e fios invisíveis. O filme mergulha nessa profundidade, mostrando não só o glamour do palco, mas também a solidão do quarto de hotel, as lutas com a família, representada com uma ternura dolorosa por Teresa Madruga como Deolinda de Jesus, a mãe que amava o filho, mas não compreendia bem sua alma inquieta. E tem a Rosa Maria, interpretada pela Victoria Guerra, um pilar de apoio, uma amiga que vê a essência e aceita, sem julgamentos. As cenas entre eles são um bálsamo, um lembrete de que, mesmo na jornada mais singular, precisamos de aliados. Filipe Duarte, como Fernando Ataíde, e Augusto Madeira, como Luís Vitta, também contribuem para esse mosaico de relações que moldaram o Variações que conhecemos. Eles não são meros coadjuvantes; são os espelhos onde a identidade do António se reflete, por vezes de forma distorcida, por vezes com clareza cristalina.

AtributoDetalhe
DiretorJoão Maia
RoteiristasKaren Sztajnberg, João Maia
ProdutorFernando Vendrell
Elenco PrincipalSérgio Praia, Victoria Guerra, Filipe Duarte, Augusto Madeira, Teresa Madruga
GêneroMúsica, História, Drama
Ano de Lançamento2019
ProdutoraDavid & Golias

O “gay theme” e a forma como o artista vivia sua sexualidade são tratados com uma dignidade e uma sensibilidade que, pra mim, são um dos maiores triunfos do filme. Não há sensacionalismo, mas uma honestidade crua sobre os desafios de ser um artista abertamente gay numa sociedade que, nos anos 80, ainda engatinhava em termos de aceitação. Variações não era de meias palavras, nem de meias-vidas. Ele era inteiro. E o filme honra isso, mostrando a sua vulnerabilidade, mas também a sua resiliência. As cenas nos clubes lisboetas, a forma como ele usava a moda e a maquiagem como uma extensão da sua arte, da sua alma – tudo isso constrói um panorama não apenas da vida de um homem, mas de um período crucial na nossa cultura.

A produção de Fernando Vendrell e da David & Golias entregou um filme que soa e parece autêntico, transportando-nos para aquela Lisboa vibrante e efervescente, mas também com suas sombras. A trilha sonora, claro, é um personagem por si só, e a forma como as canções são incorporadas na narrativa é orgânica, quase como se o próprio Variações as estivesse criando diante dos nossos olhos, num surto de inspiração. É como sentir a respiração dele antes de um verso, ou o suor escorrendo enquanto ele dava tudo de si no palco.

Olhando para trás, cinco anos depois, Variações permanece um lembrete potente da importância da arte, da música, e da coragem de viver em plenitude, sem medo de ser quem você nasceu para ser. É uma biografia que transcende o simples relato factual e se torna uma ode à individualidade. É um filme que, de certa forma, ainda me questiona: “E você? Você tá vivendo a sua verdade, ou tá se contendo?” E essa, pra mim, é a marca de um bom cinema: aquele que não só entretém, mas que te faz pensar, te emociona e, quem sabe, te impulsiona a ser um pouquinho mais você. E é por isso que, mesmo em 2025, o filme sobre António Variações continua a ecoar, como uma de suas canções mais marcantes, um hino à liberdade e à paixão.

Trailer

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