Você Não Estará Só!

Há filmes que nos agarram pela alma, não pela garganta. Eles não buscam apenas assustar, mas provocar, questionar, desestabilizar nossa percepção do mundo – e de nós mesmos. Você Não Estará Só!, dirigido e escrito por Goran Stolevski, é exatamente esse tipo de experiência cinematográfica, um sussurro antigo que ecoa nas cavernas da nossa memória, muito depois que as luzes da sala se acendem. Eu me vi hipnotizado por sua beleza visceral e sua brutalidade poética, e é essa hipnose que me impulsiona a escrever, a tentar decifrar um pouco do que Stolevski nos oferece.

Imagine você: uma Macedônia rural e mística do século XIX, um cenário onde a fé e a superstição se entrelaçam de forma indissolúvel. É neste terreno fértil que Nevena, uma jovem muda, é brutalmente sequestrada por um espírito ancestral. Essa criatura, Maria, vivida com uma intensidade quase espectral por Anamaria Marinca, a transforma em bruxa. Nevena, interpretada por Сара Климоска (e por outras atrizes em suas formas subsequentes), é então lançada em um mundo que ela mal compreende. Sua curiosidade sobre o que significa ser humano, sobre a vida dos camponeses na aldeia vizinha, é o motor de sua jornada. E é aqui que o filme se revela em sua complexidade mais fascinante: um acidente fatídico a leva a matar um camponês e, com um poder horripilante de metamorfose – o `shapeshifting` –, ela assume a forma de sua vítima. Não para se esconder, mas para viver na pele do outro, para sentir o que é ser humano, para tentar entender.

Você Não Estará Só! é um conto de fadas sombrio, permeado por imagens que são ao mesmo tempo deslumbrantes e grotescas. Não é o terror que salta na tela, mas aquele que se insinua, que te faz sentir o frio da floresta e o cheiro da terra molhada, que te força a confrontar a dualidade da existência. É, como um trecho de crítica perspicaz aponta, um filme de `horror taking the scenic route` – um caminho sinuoso e deliberado que nos leva a lugares inesperados da emoção e da moralidade.

A cada nova forma que Nevena assume, seja a da camponesa, de um homem trabalhador (interpretado por Félix Maritaud) ou de uma mulher mais velha (Alice Englert), o filme se aprofunda na exploração da identidade. Сара Климоска, com a desafiadora tarefa de expressar tanto a inocência inicial quanto a crescente confusão e discernimento através de seu olhar, estabelece a base para as encarnações futuras. A genialidade do diretor Goran Stolevski reside em nos fazer questionar: seria essa `teen witch` um monstro cruel ou apenas uma observadora, uma estudante da condição humana, dotada de um poder que a afasta de nós e, ao mesmo tempo, a conecta profundamente?

Não há aqui uma vilã de capa preta e risada maligna. Há uma força primordial, curiosa, aprendendo sobre a dor, o amor, o trabalho, a alegria e a crueldade que permeiam a vida humana. Vemos Nevena na pele de Boris (Carloto Cotta), sentindo o peso do trabalho árduo, as relações complexas, a busca por aceitação. É uma forma magistral de `mostrar, não contar`. Em vez de nos dizer que ela está aprendendo, somos transportados para dentro de suas experiências, para os sons abafados da vida, para as texturas das mãos calejadas, para o calor de um corpo em outro.

A produção de Kristina Ceyton e Sam Jennings, junto às companhias Causeway Films, Head Gear Films e Metrol Technology, consegue construir um mundo que pulsa com autenticidade. O filme não tem medo de se demorar nas cenas, de nos imergir nos rituais e nas paisagens montanhosas da `Macedonia`. A fotografia é um espetáculo à parte, capturando a beleza selvagem da `forest` e a crueza da vida rural, que serve como pano de fundo para as manifestações de `witchcraft` e as sombrias referências a `witch burning` que ressoam através da história.

Os temas de `sacrifice` e a luta pela sobrevivência se entrelaçam com a jornada de Nevena. É um drama intenso, disfarçado de terror, que nos força a confrontar a nossa própria humanidade. O que significa ser uma pessoa, sabe? Quais são os contornos da nossa alma quando despojamos as convenções sociais e os corpos que nos abrigam? Você Não Estará Só! não oferece respostas fáceis, mas sim provoca uma meditação profunda sobre a natureza da vida, da morte e da identidade. É um filme que, em sua escuridão e nuance, ilumina as complexidades da nossa existência de uma maneira única e inesquecível. Stolevski criou uma obra rara que transcende os gêneros, deixando em mim uma impressão duradoura, um eco silencioso de uma jornada que, de fato, nunca nos deixa sozinhos.